Luís Cristóvão

Futebolista e de esquerda

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Fabrício Collocini partiu muito jovem para Itália, jogou no Milan, no Atlético de Madrid e no Newcastle, entre outras equipas europeias, somando quase quatro dezenas de internacionalizações pela Argentina. De regresso ao seu país natal, concedeu uma entrevista onde revela uma outra faceta.

Continuam a ser muito poucos aqueles que revelam as suas reflexões ideológicas no espaço do futebol. A caminhada para a normalização do jogo começou mesmo fora do campo, na busca de tornar os jogadores elementos neutros no campo social e político. A sua força enquanto indivíduos reconhecidos e admirados na sociedade parece, muitas vezes, temida, pelas forças que convivem no poder económico do desporto.

Quando se começa a jogar futebol, vê-se certas coisas e têm-se muitos medos de dizer algo que caia mal às pessoas. À medida que vão passando os anos, o jogador também se vai formando como pessoa e vai tendo outros tipos de pensamento.

Pelas palavras de Collocini, atualmente jogador do San Lorenzo, na Argentina, essa normalização é realizada desde cedo. Por desconhecimento do meio onde se entra, algo que acontece no futebol como em tudo na vida, adoptam-se comportamentos que tendem a não criar ondas, a evitar as críticas ou os reparos daqueles que estão acima na hierarquia.

O próprio jogador reconhece que, dentro de campo, a questão da responsabilidade vai aparecer sempre, faças o que faças. A cobrança faz parte daquilo que é a vida de um trabalhador com larga expressão pública. A forma como te expressas, seja no falar, no vestir ou no comportamento que adotas em cada situação, irá clarificando-se ao longo da tua carreira. Do ponto-de-vista de quem chegou ao topo, e bem perto do final da sua carreira, Collocini já não tem dúvidas sobre a posição que tem que tomar.

Exemplo e aparência

Ter uma ideologia não quer dizer que não possas entrar no carro topo de gama. Podes ter um Audi e pode gerar coisa que ajudem os outros.

Num território de ostentação, que se reflete a todos os níveis, seja no jogo ou na comunicação, com enormes impactos no trajeto que podes vir a conseguir, Fabrício Collocini não faz concessões. O seu entendimento daquilo que pode fazer pelos outros é claro e surge como prioridade, não entendendo que a sua posição se fragiliza por ter meios para o fazer. De certa maneira, ao mesmo tempo que recusa os standards aplicados pela norma, também acaba por recusar aqueles que a alternativa lhe viria a colar.

[Sobre o voltar a estudar] Faço-o pelo exemplo que posso dar aos meus filhos. Também me serve para falar com os miúdos mais jovens do plantel e exigir-lhes que façam o mesmo.

O regresso aos estudos, na escola secundária, agora que a sua carreira se aproxima do fim, é um dos bons exemplos que Collocini tem para dar, não só aos jogadores mais jovens, como aos seus filhos. O entendimento de que na vida há tempo e capacidade para ter uma carreira de profissional no desporto e continuar a estudar parece-lhe, aos olhos de hoje, claro. A força do exemplo que pretende ser é um dos factores que o motiva, seja em que capítulo for.

Por isso mesmo, é tão importante ler a entrevista que Collocini deu ao El Enganche, uma publicação que continua a demarcar-se num território que visa trazer à luz dos nossos olhos, os jogadores por um prisma que, habitualmente, entre o calor e as emoções do jogo, nos fica tão distante. É a dimensão humana do jogo e a cultura que este cria a sobressair nas páginas desta publicação argentina.

 

Citações retiradas da entrevista de Fabrício Collocini ao El Enganche de 28 de abril de 2018

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