Na edição do passado domingo do Jornal Público (10.dez.2017), uma entrevista com a neurocientista Sarah-Jayne Blakemore, que estuda o “mundo do cérebro do adolescente”, levanta várias questões bastante pertinentes e que devem fazer parte do trabalho de reflexão de um treinador de equipas de formação. Os avanços descritos na entrevista, bem como as dúvidas a alguns preconceitos que continuam a afetar a forma como encaramos os papéis de crianças e adolescentes no contexto desportivo, deveriam levar-nos a uma profunda reflexão sobre como incluir, desde logo, este tipo de pensamento na formação de treinadores.
Somos pacientes com as crianças, permitimos que se desenvolvam […] Permitimos que façam tolices, tomem decisões tolas, ajudamo-los, sentimos empatia, não esperamos que sejam completamente independentes e que tomem excelentes decisões para eles próprios. Precisamos de fazer isso com os adolescentes. É a mesma coisa. Eles também estão a passar por mudanças substanciais do seu desenvolvimento cognitivo. Como adultos, colocamos muito mais pressão e expetativas nos adolescentes do que nas crianças pequenas. Talvez porque os adolescentes se pareçam com adultos. Esperamos que se comportem como adultos e que tomem boas decisões e que sejam capazes de planear; todo o tipo de comportamentos que, na verdade, sabemos que ainda estão em desenvolvimento.
Em vários contextos formativos vemos crianças e adolescentes a serem expostos a uma “realidade adulta” que lhes é muito difícil de encarar e perceber. Porquê? Porque, basicamente, não são adultos e não devem ser tratados como tal. O nível de exigência imputado aos jovens atletas em formação deverá ter em conta o seu grau de maturidade física e cognitiva. Ora, aquilo que o trabalho de Sarah-Jayne Blakemore demonstra é que, mesmo em períodos tardios da adolescência, o cérebro mantém uma maleabilidade que o expõem a alterações ambientais, ou seja, aquilo que lhe é imposto ou exigido terá, ainda, consequências na formação do cérebro do atleta. E se isso poderá apontar claras vantagens, abrindo o campo de desenvolvimento de um jovem para lá de algumas barreiras de idade que são utilizadas hoje, também encerra grandes perigos, como o de o trabalho com um jovem influenciar, negativamente, o seu percurso de vida futura.
Se tivermos um adolescente que não teve muito bons resultados na escola primária, por exemplo, não é demasiado tarde para esperar uma mudança. O cérebro ainda se está a adaptar e a aprender. […] Mostrámos que o raciocínio não verbal, relacionado com a matemática, acaba por ser mais bem apreendido na adolescência mais tardia do que na inicial. Isso contradiz o que a maioria das políticas educativas defende, acreditando que este tipo de aprendizagem diminui com a idade.
Esta capacidade de aprendizagem, no que toca ao raciocínio não verbal, abre bastantes portas ao trabalho que se pode realizar a nível tático. A experiência de campo dos treinadores já indiciará isto mesmo, a forma como o conhecimento do jogo vai evoluindo com o crescimento do atleta não se tratará, apenas, de uma experiência acumulada na prática, mas também, nos casos de jogadores de maior sucesso e inteligência, de uma adaptação do cérebro ao contexto em que é exposto. Desta forma, é fundamental trabalhar as formas de influenciar positivamente o conhecimento do jogo, buscando formas de aliar a evolução da ciência com o a evolução da prática. Um cérebro em adaptação permite um trabalho mais profundo nos processos de formação dos atletas, até mais tarde, em termos de idade, o que, aliando aos estudos da maturidade física, permitirá um maior tempo de trabalho que possa conciliar os efeitos positivos da evolução do cérebro com os da maturidade física do jovem atleta.
Sabemos que o ambiente muda o cérebro. Sabemos que isso acontece na adolescência. Então, parece-me lógico assumir que passar muito tempo em frente de um ecrã nas redes sociais, nos jogos de computador, funcionará como um input ambiental. Portanto, provavelmente, vai influenciar o desenvolvimento do cérebro. No entanto, o mais importante é saber se isso é bom ou mau, se isso danifica o cérebro ou não. E isso não sabemos. […] Não devemos entrar em pânico sem conhecer exatamente as provas científicas sobre como os ecrãs estarão a afetar o desenvolvimento do cérebro.
Uma das queixas mais consistentes dos treinadores de escalões de formação passa pela forma como os mais jovens lidam e processam o mundo que os rodeia. Creio que estamos certos quando identificamos que as coisas são radicalmente diferentes de quando nós próprios fomos crianças e adolescentes, sobretudo para aqueles que têm, hoje, mais de 40 anos, tendo em conta que viveram a sua infância e boa parte da sua adolescência num meio onde não existiam telemóveis ou redes sociais (se bem que num momento de generalização dos jogos de computador). Muitas das vezes, essas queixas são associadas ao pânico descrito pela entrevistada, como se as experiências das novas gerações constituíssem um dano para o seu cérebro ou para a sua vida. Conseguir enquadrar experiências, conhecimento e uma prática que os acondicione terá que ser uma das reflexões contínuas dos treinadores de formação. Aquilo que ainda não está provado, precisa de ser questionado. De mente aberta, como se de um cérebro maleável de um adolescente se tratasse. É isso que os treinadores de formação precisam.