Luís Cristóvão

O ano da transição em África

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Esta sexta-feira começam a disputar-se as provas continentais do futebol africano, com a primeira eliminatória da Liga dos Campeões Africanos e da Taça da Confederação Africana, num ano de transição, já que a CAF decidiu que, a partir da temporada 2018/19, ou seja, setembro próximo, as competições africanas passariam a alinhar-se com o mesmo calendário do futebol europeu.

Não será uma novidade para todo o continente, dado que a generalidade dos países magrebinos e a África do Sul já haviam adotado essa calendarização, mas para países como Angola, onde o Girabola também se inicia neste fim-de-semana, o aperto da temporada 2018 levou à anulação da Supertaça e da Taça de Angola.

Domínio e divulgação

Por ocasião do último episódio do podcast Linha Lateral, um dos nossos ouvintes brasileiros levantou uma questão sobre o mercado africano. Segundo ele, algo que foi corroborado por outros contactos no Twitter e se poderá entender pela pouca presença de jogadores africanos no país, as ligações entre Brasil e África são quase inexistentes.

É verdade que, por um lado, continua a alimentar-se algum preconceito em relação ao jogador africano. Quando, na Europa, se fala do potencial de África, quase sempre se fala da possibilidade de procurar no continente jogadores ainda muito jovens que possam fazer a transição o mais cedo possível. Ao mesmo tempo, muitos dos jogadores africanos que atuam em campeonatos europeus são já descendentes, tendo nascido ou feito toda a formação na Europa.

Esse preconceito será uma das primeiras barreiras a precisar de ser ultrapassada. Para o conseguir, no entanto, é preciso haver um mergulhar mais profundo no que é a realidade (ou as realidades) do futebol em África. As histórias são muito diferentes. Os países do Magrebe (Marrocos, Tunísia, Argélia, Egito), conjuntamente com a África do Sul, são os que apresentam campeonatos mais estruturados, com maior acompanhamento mediático, o que leva, sem surpresa, ao domínio das competições continentais.

Na época passada, na Liga dos Campeões Africanos, apenas duas equipas que atingiram os quartos-de-final não pertenciam a um desses países (os moçambicanos do Ferroviário da Beira e os líbios do Ah Ahli), tendo as meias-finais sido disputadas por uma equipa de cada um dos quatro países magrebinos referidos acima. Na Taça das Confederações, a tendência foi a mesma, com os quartos-de-final a serem disputados por duas equipas da Tunísia, e uma da Argélia, Marrocos, África do Sul, Sudão, RD Congo e Zâmbia. Os congoleses do TP Mazembe romperam com o domínio dos cinco países referidos, mas por serem um caso especial, tendo em conta os investimentos milionários que o seu dono costuma fazer.

As provas continentais são aquelas que permitem melhor acompanhamento nos meios de comunicação, por haver uma maior transmissão de encontros. Os países magrebinos são também uma boa fonte de informação, na escrita e nas transmissões, enquanto a África do Sul, a Nigéria e o Gana detém muita informação na rede, mas não já é tão fácil encontrar transmissões disponíveis. Na Europa, quase nenhum canal de televisão aposta na transmissão de jogos de campeonatos africanos.

Os países de língua portuguesa

O Girabola teve, durante alguns anos, na TPA internacional, um potente veículo de divulgação em Portugal, apesar de em termos de agendamento e horário dos jogos, nem sempre fosse possível ter muitas certezas sobre os horários. Enquanto o nível das transmissões terá crescido localmente, com a passagem para canais premium (algo que também acontece, esta época, em Moçambique), essas transmissões acabaram por ficar mais difíceis de acompanhar na Europa. Segundo os relatos que nos chegam, para o Brasil a distância será ainda maior.

O fluxo de jogadores entre o Girabola e os campeonatos portugueses também nunca foi muito grande, sendo mais habitual vermos jogadores que saem de Portugal para jogar em Angola. O campeonato de Moçambique e os jovens de Cabo Verde e da Guiné-Bissau encontraram, sempre, maior acolhimento em Portugal, ainda que parte disso se tenha devido às condições financeiras, já que Angola conseguia segurar boa parte dos seus melhores jogadores. Essa é uma realidade que, ainda hoje, transforma um pouco daquilo que é o panorama do futebol africano. Em muitos países existem equipas que têm um potencial financeiro para segurar as suas estrelas, que acabam por nunca sair para tentar a sua sorte em ligas mais exigentes.

Equipa do Benfica de Bissau

Com competições quase exclusivamente amadoras, Cabo Verde e a Guiné-Bissau têm conseguido alguns sucessos com as suas seleções, aproveitando jogadores que nasceram ou desenvolveram a sua formação na Europa. As equipas de Cabo Verde nem sequer participam nas provas continentais, enquanto a participação do Bissau e Benfica na eliminatória da Liga dos Campeões frente aos marroquinos do Difaa El Jadida poderá permitir uma oportunidade para vermos o conjunto guineense numa transmissão durante a tarde do próximo sábado.

Analistas vs empresários

O difícil acesso às transmissões, os poucos dados disponíveis relativamente ao rendimento dos jogadores e os casos, por vezes difíceis, de obter informação pessoal sobre os atletas, vão levando a que o futebol africano se vá mantendo de fora do mercado internacional. Num dos últimos episódios do podcast Efrikya, do site Lucarne-Opposèe, fazia-se menção ao pouco investimento feito em transferências no continente.

Festa no Girabola

Isso vem levando a que a possibilidade de ligação entre a Europa ou a América do Sul com África se vá mantendo nas mãos de empresários, em detrimento da descoberta de novos jogadores por analistas. A mudança de paradigma levará algum tempo, já que, apesar da melhoria das condições de comunicação e de uma cada vez maior penetração da internet nos países africanos, o futebol local, enquanto produto, ainda não alimentou a sua chegada à Europa, nem optou, como é exemplo na Ásia, por procurar os seus próprios meios de divulgação.

À beira do início de mais uma temporada, depois de uma CHAN (prova de seleções exclusivamente disputada por jogadores que atuam nos países de nascimento) que, talvez por ser disputada em Marrocos, atraiu maior atenção, os problemas irão manter-se, enquanto as oportunidades continuam a ser muito relevantes. Para quem, como eu, vai seguindo o futebol africano desde 1996, a sensação é a de que muitas barreiras foram, já, ultrapassadas. Mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de causar alguma frustração a lentidão com que todo o processo de afirmação do futebol africano no mundo se vai desenvolvendo.

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