A proposta do Campeonato Nacional de Sub-23 discutida do ponto-de-vista do interesse da formação do jogador, do amadurecimento do talento e daqueles que são problemas no quadro de evolução do jogador português que merecem tratamento mais aprofundado.
Pelo que vai sendo possível acompanhar via comunicação social, um campeonato nacional do escalão Sub-23 irá ter prova de estreia na próxima época, havendo inclusive clubes, como o Sporting, que anunciaram o fim da sua equipa B para terem, em exclusivo, um conjunto na nova prova organizada pela FPF. Outros clubes poderão fazer coexistir as duas equipas, que serão, aproximadamente, do mesmo escalão, enquanto vários outros passarão as suas equipas B atualmente nos distritais para esta prova (Rio Ave, Boavista, Paços de Ferreira, Leixões, Varzim, Desp. Chaves, Estoril são casos em estudo) ou criarão novas equipas para a disputa da competição.
No jornal O Jogo de hoje, aponta-se o exemplo do Belenenses SAD, que tinha em projeto a criação de uma equipa B e poderá estar a adaptar o mesmo para a realidade dos Sub-23. São dados como possíveis nomes para esta equipa dois jogadores que já foram anunciados como contratações e outros dois que, no mês de janeiro, terão já sido cogitados como hipóteses. O grupo de quatro jogadores permitem uma análise interessante ao que poderá ser um exemplo prático do novo campeonato de Sub-23.
Todos eles estão, atualmente, ao serviço de equipas do Campeonato de Portugal, terceiro escalão do futebol português. O quadro dessa competição é um misto de equipas profissionais e semi-profissionais, com algumas exceções muito próximas do amadorismo, que apresentam jogadores de um contexto etário muito diversificado, o mesmo acontecendo ao nível da experiência, encontrando-se desde jogadores com larga experiência profissional (em Portugal e no estrangeiro), jogadores em evolução para lá chegar (João Amaral e Stephen Eustáquio são exemplos disso), muitos jovens à procura de oportunidades.
Destes quatro jogadores, três deles tiveram oportunidade de passar por um dos três grandes na sua formação, Kikas e Pepo em idades muito precoces, Rúben Ribeiro a terminar a sua formação nos juniores do Sporting. Todos eles acabaram o seu processo formativo em equipas do Campeonato Nacional da I Divisão de Juniores, o que será um indicador interessante do seu talento, nenhum tendo ficado nas respetivas equipas no processo de passagem a sénior.
Atendendo aos argumentos apresentados pela FPF, é para jogadores como estes que o novo campeonato nacional de Sub-23 representará uma oportunidade de “continuar a competir”. No entanto, todos os quatro atletas são bons exemplos de atletas que, não tendo uma oportunidade de entrada nos plantéis das equipas onde terminaram a formação, procuraram caminhos para reforçar a sua candidatura a serem profissionais de futebol. Rúben Ribeiro teve, inclusive, oportunidade de o fazer num campeonato profissional, apresentando já 45 jogos disputados na II Liga. Casos como Pepo ou Tiago Esgaio, apresentam mais de uma centena de jogos no Campeonato de Portugal.
Barreiras e condicionantes impostas ao jogador português
Uma das grandes barreiras à evolução destes jogadores tem sido, não a inexistência de contextos competitivos para evoluírem, mas as barreiras levantadas pelas indemnizações monetárias impostas a jogadores que passam do contexto “amador” (Campeonato de Portugal) para o profissional. João Amaral, apesar de ter aparecido no radar dos observadores, só aos 24 anos conseguiu entrar nas competições profissionais, por ser essa a idade em que os jogadores se libertam da referida indemnização. Pedro Tiba é outro exemplo da mesma situação, no passado.
Uma das medidas necessárias para defender a evolução do jogador português seria a repensar o quadro de transferências. Através de mecanismos de solidariedade da Liga profissional para equipas formadoras do Campeonato de Portugal, que permitissem uma maior mobilidade aos jovens atletas que apresentam um amadurecimento competitivo mais tardio. Se falamos da defesa do jogador nacional, também se poderiam aplicar regras de utilização nos escalões de formação atuais, tendo em conta que, dos 209 jogadores inscritos nas equipas que disputam o Apuramento do Campeão de Juniores, 24% deles são estrangeiros.
Não digo que o novo campeonato nacional de Sub-23 não possa ser uma prova interessante para os jogadores que fazem os seus dois primeiros anos de seniores. Mantém-nos num contexto de exigência e organização ao nível do treino, permitindo-lhe um enquadramento que, muitas vezes, não conseguem encontrar fora das ligas profissionais. Mas ao mesmo tempo irá retardar a sua entrada no mercado e o confronto com a realidade de adaptação ao contexto competitivo de seniores. Se há uma boa parte dos jogadores juniores que não encontram espaço nas competições profissionais é porque, naturalmente, o número de vagas é limitado perante o facto de todos os anos se formarem novo jogadores. Logo, o abandono da carreira e a procura de alternativas é inevitável.
Agora, se o novo campeonato nacional de Sub-23 servir, numa primeira instância, para esvaziar o Campeonato de Portugal como uma porta para o amadurecimento competitivo de atletas, então creio que estaremos a abdicar de uma oportunidade para criar um novo problema. Olhando para o caso concreto do Tiago Esgaio, que tenho acompanhado de perto nas últimas duas temporadas, não há maneira de, nessa nova competição, encontrar mais e melhores estímulos para o seu desenvolvimento do que já encontrou nos 115 jogos disputados no Campeonato de Portugal. O seu atual amadurecimento demonstra que pode ter uma oportunidade numa equipa profissional. Cair numa equipa Sub-23 seria um passo atrás.
O interesse dos clubes e o interesse dos jogadores
Temo que os argumentos apresentados para a realização desta nova prova têm estado demasiado focados nas vantagens que traz aos clubes, ao nível da monetização da competição e da possibilidade de haver mais um título pelo qual lutar. No entanto, no quadro de formação do jogador, o aumento da idade de formação implica um retrocesso. A preocupação deve estar focada na sua melhoria e, não tenho muitas dúvidas que, o processo de estabilização dessa prova vai levar a que os melhores jogadores nunca a disputem. Continuaremos a ver bons jogadores de 18, 19, 20 anos a chegarem às equipas profissionais, saltando etapas, sobretudo uma etapa despicienda como uma competição sub-23. Creio, também, que boa parte destes melhores jogadores, não havendo equipas B, acabarão por ser emprestados a outras equipas da I ou II Liga, ou mesmo a equipas estrangeiras.
Perante todos estes dados, não me parece que estejamos perante boas notícias para o desenvolvimento do jogador português. Dar mais e melhores condições a equipas que estão nas provas semi-profissionais permitiria estarmos perante um quadro mais produtivo de amadurecimento de talento. Recuperar a possibilidade de associações populares terem equipas seniores, nos escalões mais baixos do futebol distrital daria, por outro lado, espaço a jogadores que optam por carreiras profissionais longe do futebol, mantendo a prática de lazer com um mínimo de dimensão competitiva.
*Dados utilizados retirados do site www.zerozero.pt