Luís Cristóvão

João Félix, o cão que quer morder Pavlov

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Depois de uma série de contratações que pareciam fazer crer na evolução do estilo Simeone para um composto da sua bravura defensiva com um novo leque de opções ofensivas, as primeiras semanas desta temporada têm causado alguma apreensão. Será que o Atlético de Madrid vai mesmo para onde a sua ação no mercado apontava?

Quatro aquisições lançavam a ideia de um novo Atlético de Madrid sob o comando de Diego Simeone. Se Mario Hermoso poderia ser visto como um substituto de Rodri (ocupando lugar no onze com diferente arrumação), Trippier, Renan Lodi e João Félix ofereciam soluções ofensivas que a equipa colchonera não tinha anteriormente. Perante essas soluções, a expetativa era grande. 

Mesmo se olharmos para a forma como a equipa tem sido organizada dentro de campo, parecem haver sinais dessa vontade de inovar na forma como o futebol do Atlético se materializa. Apenas um ponta-de-lança, habitualmente Diego Costa. Um segundo avançado que tem vindo a experimentar diferentes matizes, ora com João Félix ora com Correa. Um extremo que surge muitas vezes nesse mesmo espaço, com Thomas Lemar a assumir o cargo. Um outro extremo (“falso”) que funciona como um interior, para que os dois laterais sejam projetados no ataque. Dois médios-centro que não definem posição, mas correspondem em função da dinâmica do jogo.

Esta forma já levou, mesmo, a que a equipa se apresentasse num raro 3-5-2, frente ao Leganés, numa solução que não voltou a ser testada depois disso, mas que, curiosamente, acabou por ser o encontro em que Trippier teve mais passes bem sucedidos para o último terço do ataque (5), ainda assim muito longe do melhor que o inglês conseguiu esta temporada (18), ao serviço da seleção frente à Bulgária.

O cão que quer morder Pavlov

João Félix, no Benfica, funcionou como um elemento transformador de um coletivo, tendo aparecido numa fase em que os automatismos dos encarnados estavam pouco definidos, depois da saída de Rui Vitória. Um jogador com as suas características numa folha em branco tem essa capacidade de mudar a forma como toda a equipa funciona.

No Atlético de Madrid, no entanto, mesmo utilizado na posição e na missão que tinha na Luz, está perante um quadro totalmente diferente. A equipa de Diego Simeone é conhecida pelos seus rígidos automatismos e pelo controlo do técnico nas forma como as ações coletivas se desmontam nos diferentes momentos do jogo. Perante esse condicionamento, João Félix encontra-se demasiadas vezes na pele do cão que quer morder Pavlov, rejeitando o condicionamento e o automatismo para oferecer criatividade.

O problema é que o contexto da equipa é composto de outros jogadores e, esses outros, continuam a alimentar o piloto automático, muitas vezes vendo-se no jogo como João Félix oferece linha de passe entre linhas, mas não existe a confiança dos seus companheiros para alimentar os seus pedidos. Mesmo que, como aconteceu no jogo frente ao Celta, tenha sido numa ação semelhante, com ligação entre Herrera e João Félix, que  nasceu o lance que acabou num livre perigoso à entrada da área.

O problema do segundo avançado

Perante as dificuldades que o Atlético de Madrid apresenta nas partidas onde lhe é exigido maior percentagem de organização ofensiva, Diego Simeone já experimentou, frente ao Celta, uma espécie de regresso ao passado, com Ángel Correa posicionado mais próximo de Diego Costa. Esta opção leva-o a demonstrar como existem dois tipos de segundo-avançado na equipa. Aquele que através do seu posicionamento e alimentação de dinâmicas com os extremos-interiores poderá vir oferecer maior qualidade no controlo da bola (Félix) ou aquele que através da sua postura mais “brava”, procura a profundidade e tenta rasgar as defensivas adversárias mantendo uma postura de transição em organização, Correa, que na época passada foi utilizado por 24 vezes nesta posição. 

A questão de estilos vai voltar a colocar-se quando o Atlético receber o Real Madrid, no próximo sábado. Porque este momento da temporada poderá ser definidor daquilo que é o pensamento do treinador para a equipa no que resta da temporada. Ou apostar na evolução da sua equipa, perante as novas opções que tem, ou voltar a um estilo que é mais próximo das condições da época passada. A opção por um ou outro lado poderão ditar que Atlético teremos para um futuro próximo e como esse Atlético acabará por resolver as suas contendas no conflito entre a visão da administração e a visão do treinador. 

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