Caro Kobe,
somos quase da mesma idade e por isso nunca consegui ver-te como um herói. Era um bocado como se frequentássemos a mesma escola secundária. Tu, uns meses mais velho, com esse estilo de americano reforçado pelos tempos em Itália, a jogar basquetebol como ninguém, com aquela força que te explodia do olhar e de cada movimento, como se nada te pudesse parar.
Também por isso voaste diretamente para a NBA, onde a sorte te levou aos Lakers e tu os transformaste – mal eles sabiam aquilo que recolhiam com a 13ª escolha do Draft trocada com os Charlotte Hornets. Se bem que os líderes da equipa eram, quase todos, jovens – Shaquille O’Neill, Eddie Jones, Nick Van Exel – tu logo deixaste a impressão de ser algo mais. Por isso, rapidamente, te deram minutos, por isso, logo à terceira época, eras titular indiscutível de uma das mais míticas camisolas da NBA.
O que fizeste dentro de campo não tem muitas palavras para explicar. A quantidade de decisões difíceis, o reconhecimento como All Star, o craque defensivo e ofensivo, os títulos somados, o reconhecimento dos que contigo partilhavam o campo. Cometeste erros, como todos aqueles que sentem que o normal não é o suficiente para se alcançar numa vida. Dentro e fora de campo. E em ambas as dimensões os soubeste assumir e deles recuperar. A última temporada da tua carreira demonstrou-nos, a todos, isso mesmo. Pode ser-se humano, falível e grande ao mesmo tempo, como Kobe passou a ser definido na entrada do dicionário.
É o que fizeste depois disso que me leva a escrever-te hoje – para te dizer que as notícias que nos chegam, de um tipo quase da nossa idade, inesperadamente morto num acidente, são acontecimentos brutais que ainda demoramos a conseguir explicar. Foi isso que me veio à mente quando o soube. Aquilo que construías com a tua Academia, o apoio que davas a todos no mundo do basquetebol, o reconhecimento que partilhavas com pares e promessas. A enorme vontade competitiva do Kobe aparecia, agora, numa dimensão humana de partilha que te tornava um pouco mais singular.
É triste como, contigo, parte uma das tuas filhas apaixonadas pelo jogo. É ainda mais triste aquilo que a tua família mais próxima, a tua restante prole, terá que passar até que um dia encontre paz no que a vida lhes trouxe. Mas se alguma coisa deixaste, estou certo, é essa definição de que o normal não chega. É preciso sempre mais. E para elas, como para todos nós, que cá andaremos mais uns anos, esse ensinamento é uma candeia para nos iluminar o caminho.
Obrigado, Kobe.