A experiência do comentário desportivo cresce e ganha mais sentido a reflexão sobre o trabalho feito e o procurar de um conhecimento que se estabelece para ser questionado.
Depois de fazer comentários a cerca de 300 jogos em dois anos, conjugando o trabalho na Eleven Sports, Antena 1 e Eurosport, duplicando em metade do tempo aquela que era a minha experiência anterior a comentar a MLS, permito-me parar para pensar na evolução que se vai sentindo pela acumulação de experiências em direto.
Se olhar para 2015, quando me estreei no Eurosport com o Nuno Santos e Olivier Bonamici, sinto que vai um mundo de diferenças entre quem entrou naquela cabine para experimentar algo que pensou poder fazer apenas uma vez e quem iniciou, no passado fim-de-semana, mais uma temporada na Eleven Sports, desta feita com o Carlos Dias.
A experiência
Quando me foi dada a oportunidade, ainda que a MLS fosse um campeonato que acompanhasse com alguma regularidade, apercebi-me de imediato de que não basta ver o jogo como um adepto para o poder comentar (aliás, já tinha isso aprendido da experiência de narrar jogos de basquetebol na Física TV). A primeira regra que me impus foi mesmo a de que não há familiaridade que substitua o estudo.
Se é certo que quanto mais jogos de um determinado campeonato comentas, mais envolvido vais ficando nas características de equipas, jogadores, estádios e do próprio campeonato, também é verdade que cada jogo nos coloca um desafio ao qual temos que responder: não estando presentes no treino nem no planeamento do jogo de cada uma das equipas, será que vamos conseguir identificar, em direto, as estratégias pensadas para cada jogo?
Diferença entre o treinador e o comentador
Há uma enorme diferença entre aquele que é o trabalho de um comentador e o de um treinador. O treinador trabalha intensamente a sua equipa, procura conhecer o adversário, planeia e enfrenta o jogo escudado nas capacidades dos seus jogadores. Se há do lado do treinador a decisão, é no grupo que se combate o jogo. Um ou dois adversários por semana, de forma intensa, com a necessidade de intervir na sua equipa, sempre que isso seja necessário, durante os jogos. Como comentador já tive semanas em que tive que trabalhar doze equipas, entre jogos de campeonato e de competições europeias. Onde o fluxo de trabalho é tanto que a preparação a médio/longo prazo é essencial e o foco no que poderá ser mais importante se sobrepõe a cada instante do jogo.
Não havendo propriamente uma preparação para se ser comentador, estamos perante uma formação contínua que nunca pára. Sim, é certo, acompanho o futebol desde que me lembro de existir. A experiência acumulada enquanto treinador de formação foi muito importante para entender a importância das relações pessoais para lá das opções táticas. O estudo, quer na Universidade, quer nas leituras que se vão fazendo, ajuda-nos a perceber ainda mais. Mas, tal como acontece quando se tira a carta de condução, não há melhor forma de aprender a conduzir do que fazer muitos quilómetros a conduzir.
Plano de autoavaliação
Tendo perdido a conta ao número de jogos que fiz desde 2015, o final da temporada que ficou marcada pela pandemia tornou-se um momento precioso para iniciar uma autoavaliação que será feita durante o processo de trabalho, necessariamente, tendo em conta que a nova temporada também já começou. Daí a transformação do site numa espécie de roteiro de uma viagem sobre o trabalho que vou fazendo.
Quantos quilómetros fazem a caminhar enquanto pensam na vida? Entre o primeiro dia de março e o último dia de agosto fiz 1.147,9 km, uma média acentuada pela paragem dos campeonatos e a consequente falta de trabalho no período da pandemia. Creio que será um bom ritmo para ter o que escrever durante uma temporada. Isso e o que nela nos vai acontecer/acontecendo.