Luís Cristóvão

A liderança não passa na televisão

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Os modelos de liderança será um dos temas mais em voga nas conversas que vou tendo entre treinadores. Quer seja no alto rendimento, quer seja na formação, e apesar das diferenças de contexto entre ambas, a liderança exercida pelo treinador está no centro de qualquer encruzilhada a caminho do sucesso.

Penso que uma das razões para esta atenção sobre a liderança prende-se com o facto da nossa sociedade ter vindo, ao longo das últimas décadas, dispensado figuras de referência. Não basta, hoje em dia, estar numa posição social para se ter todas as regalias da mesma. É normal e aceitável que, quem esteja abaixo de nós numa hierarquia, discuta e queira entender cada decisão do seu líder.

No entanto, estamos ainda bastante afetados pela construção de imagem que se faz na televisão ou para fora de uma equipa, esquecendo-nos que é aquilo que se passa por dentro que tem mais influência nos respetivos atores, os atletas.

Continua-se a preferir o treinador que é mais ativo na sua personagem externa. O treinador que atira certezas, fazendo-se parecer dono e senhor de uma verdade qualquer inacessível ao leigo, que esbraceja e mantém uma atitude energética durante os jogos. Temos a sensação de que esse treinador, não só está certo e seguro, como também não permite aos seus jogadores um centímetro de margem de erro, estando sempre “em cima” do acontecimento.

Algumas vezes, esta postura deixa o treinador à beira do abuso. Envolvido no turbilhão de emoções que transpira e provoca, pode este esquecer-se de que, na sua relação pessoal com os jogadores, são outros princípios os que imperam. Mas quero acreditar que, para aqueles que estão no alto rendimento, estes episódios de abuso já foram espaço de reflexão ao longo da sua evolução e estarão, hoje em dia, limitados ao quase zero.

De certa forma, devemos perceber que, mesmo que a imagem pública do treinador, aquela que passa na televisão, seja uma, a sua realidade dentro do espaço do treino, do balneário e das relações pessoais, é fundamentalmente outra. Lembro-me, muitas vezes, de um exemplo da minha adolescência, quando me disseram, de uma professora muito má, que também ela teria uma casa, alguém que gostava dela, uma vida normal, para além daquela imagem de disciplinadora.

No lado contrário da equação, está aquele treinador que é identificado como fraco, porque o seu discurso externo não convence. Está, sem com isso impor uma marca negativa, “poluído” pelas suas dúvidas, que não receia expor ao longo do processo. Essa fragilidade parece indicar que lhe faltam certezas absolutas, que lhe falta a força e a energia para transmitir o caminho correto aos seus atletas. Mas é, em muitos casos, esta atitude que o leva a conquistar os seus jogadores. Até porque, aquilo que do lado de fora soam a dúvidas, por dentro entende-se que são degraus para chegar ao sucesso. Os atletas vão entendendo que, de uma forma serena e dentro do seu ritmo, podem intervir no processo de jogo da equipa, expondo-se às suas decisões e sentindo o jogo como seu. E não tenham dúvidas. São os jogadores quem joga o jogo.

Agora, entre um extremo e o outro, devemos também entender que não há um modelo único para chegar ao sucesso. Consoante os grupos, consoante o contexto, consoante os objetivos, cada treinador deve ter a capacidade de encontrar em si a melhor forma – e a melhor fórmula – para cumprir com as aspirações da sua equipa. Entendendo que, nas questões de liderança, mesmo que muita da literatura popular indique uma preferência por aqueles que desenvolvem os seus próprios modelos e marcas, os de maior e mais perene sucesso são aqueles que, através da sua empatia para com os jogadores, se adaptam à sua realidade.

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