Luís Cristóvão

Da palavra “universal” ou porque não devemos matar, à partida, quem não recorre ao dicionário

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Devo começar por dizer que, para mim, o futebol é um fenómeno que não faz sentido se não gerar discussão, não nos termos mediáticos a que nos fomos habituando, mas na procura do entendimento daquilo que se passa em campo. É por isso que me choco tanto quando sou confrontado com frases como “o futebol é isto” ou “assim é que se joga futebol”, porque, na maior parte das vezes, quem veícula essas ideias fá-lo por exclusão e, no futebol, como na vida, sou levado a entender que tudo tem o seu lugar.

Por isto mesmo me deu imenso prazer ler o artigo de Nuno Amado, O Futebol e o Bacalhau à Brás: A Falácia dos Princípios de Jogo. O prazer de entender que podemos descrever aquilo que acontece numa partida, ou em momentos dessa mesma partida, transformando esses eventos em símiles do que acontece na vida. Aquilo que o Nuno Amado descreve começa por ser um momento de um determinado jogo, que delimitado por uma série de palavras às quais se convencionaram singulares significados, acabam por se transformar numa outra. Costumam dizer que quem conta um conto, acrescenta um ponto. Ora, como o Nuno Amado bem expressa na sua prosa, quem descreve um jogo, tende a determinar-lhe princípios e fins que, muitas vezes, chocam com as evidências.

A crítica a este artigo centrou-se na questão dos princípios, mas não devemos matar, à partida, quem não recorre ao dicionário. Sobretudo se vivermos no meio futebolístico, onde a inteligência tende a ser espacial e emocional, a agressão por via do dicionário é bastante desvalorizada. E para o confirmar poderemos recorrer aos registos disciplinares de anos e anos de campeonato para entender que nunca ninguém foi castigado por utilizar uma palavra demasiado própria para definir um evento futebolístico. Já, pelo seu contrário, choram os ouvidos e os olhos daqueles que ouvem e lêem sobre futebol quem considera a aspersão de palavras caras um argumento para a transformação do desporto em ciência. E quando se referiu a falácia dos princípios, já ninguém se adiantou ao ler da frase completa, que determinava como universais os princípios a que se referia.

Creio, no entanto, que a alergia criada em volta da ideia central do artigo se prende com uma ideia avançada logo no seu primeiro parágrafo. O consenso de que a arte de bem jogar futebol obedece a uma regra. Se há coisa que é universal, é que as regras são sempre circunstanciais, uma das maiores dificuldades que o ser humano que vive em sociedade tem na sua relação com o mundo. Por isso me inclino a defender que, em princípio, ter princípios sobre o jogo é uma coisa, não só boa, como necessária, não para a consumação de uma arte, mas, sobretudo, para o entendimento do que, em cada contexto, deve funcionar como guia para o atingir de um fim. Agora, como nem todos entenderão – e talvez devêssemos falar sobre Julen Lopetegui para exemplificar melhor este caso -, noventa minutos são demasiados para que a ideia seja, apenas e só, ter o golo como objetivo.

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