Luís Cristóvão

Neymar, Messi, o cérebro: papel dos treinadores

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A discussão sobre quem é o melhor jogador do mundo ter-se-á deslocado para ter Neymar Jr e Lionel Messi como os dois pontos de comparação. O número de vezes que o brasileiro se tem exposto a novos começos pode, no entanto, atrasar o seu processo de afirmação. Os estudos sobre o modo-padrão do cérebro levam-nos a perceber o papel dos treinadores na afirmação dos seus jogadores.

Está estabelecido, na narrativa atual construída em redor da figura de Neymar Jr, que o brasileiro saiu de Barcelona à procura de um espaço de afirmação para si, como elemento central de uma equipa, em Paris. Este pensamento tem sentido, na perceção do que é uma liderança dentro de um grupo de jogadores e da forma como uma equipa só consegue comportar, no final das contas, um candidato a melhor do mundo de cada vez (Iniesta e Xavi que o digam). No entanto, com a temporada a decorrer, a opção de Neymar parece ter dado ainda mais vantagem a Lionel Messi na forma como este vai concretizando o seu jogo em Barcelona.

Ao enquadrar cada acontecimento na forma como produz efeito sobre nós, o modo-padrão torna cada um de nós no centro do universo, tal como o conhecemos. […] O nosso modo-padrão reescreve continuamente um filme em que cada um de nós é o protagonista, repetindo uma e outra vez as nossas cenas preferidas ou mais perturbadoras.

É curioso como o muito que se escreveu e disse, nos últimos dez anos, sobre quem são os melhores jogadores do mundo, passou sempre pela forma como tentámos avaliar o ego dos jogadores em questão. Lionel Messi vestiu a pele do guardião do coletivo, do jogador que pensa a sua equipa antes de pensar em si, enquanto Cristiano Ronaldo, também exposto à necessidade de, ao longo da sua carreira, prestar provas a diferentes níveis competitivos, se firmou como o individualista.

Esta ideia construiu-se, sempre, a partir de uma comparação impossível. Como podemos avaliar os conteúdos expostos por uma equipa que tem, na sua génese, um trabalho realizado a partir da base de formação, com a grande maioria dos seus elementos individuais trabalhados para pensar e se acomodarem a uma intenção tática definida, com equipas que procuram na sua estrela-base a resposta para a construção de uma ideia de jogo? Messi, nesse capítulo, sempre partiu em vantagem na comparação com outros jogadores. Porque nunca foi exposto a ser o centro do universo (terá sido com Gerardo Martino, naquela que foi uma das piores épocas do Barcelona desta última década), mas sim a encontrar o seu lugar dentro de um fluxo coletivo.

Neymar Jr, apesar de em Paris estar a apurar os seus números individuais, carece ainda de um pensamento que lhe permita ser o elemento que acrescenta, em detrimento de ser o elemento que provoca. Com essa ausência de constituição para o jogo que Unai Emery tarda em definir (a própria forma como foi construído o plantel parece ter retirado ao treinador a autoridade para ser o elemento definidor das suas próprias opções táticas), Neymar Jr apenas acumula responsabilidade e, com isso, vai-se afundando nas idefinições que o seu eu lhe provoca.

O papel dos treinadores na definição do ego dos jogadores

Cabe aos treinadores criar o contexto em que o papel dos jogadores implique um menor esforço possível, a nível mental. Na era do futebol complexo isto parece um contra-senso, mas não é. Não por acaso, aquando de mudanças de treinadores a meio do campeonato, se fala tantas vezes da necessidade de encontrar esquemas e soluções “fáceis” para os jogadores, que estes reconheçam, de forma a potenciar as suas qualidades, afastando os problemas.

Este percurso de pensamento funciona tanto ao mais baixo nível, como ao mais alto. No processo de formação, a introdução de ideias táticas deve respeitar o ritmo de aprendizagem dos mais jovens. No alto rendimento, o papel do treinador deve ser claro e inequívoco na forma como organiza o seu conjunto para que os jogadores possam render mais próximo do seu máximo sem que sejam expostos à dúvida na forma de realização da opção tática em questão.

A regra empírica: o cérebro de um principiante trabalha esforçadamente, ao passo que o do especialista despende pouca energia. Quando dominamos qualquer atividade, o cérebro conserva o seu combustível pondo essa ação no “automático”[…] Todos nós já realizámos a transição do “difícil a princípio” para o “sem problema” quando aprendemos a andar – tal como dominámos todos os outros hábitos seguintes. Aquilo que a princípio exige atenção e empenho torna-se automático e sem esforço.

No presente momento, a comparação do contexto de Neymar e de Messi vive da resolução das questões táticas por parte dos seus treinadores. No Paris SG, a Neymar não chega ser o elemento que procura a bola, cria a oportunidade e alimenta os seus companheiros. Tanto ele, como Mbappé e Cavani, já agora, estão expostos à necessidade de se afirmarem dentro de um contexto tático que procura ter em campo os melhores jogadores, mas não define de forma clara os papéis que cada um deve adotar para alcançar o sucesso. No FC Barcelona, Ernesto Valverde tem evoluído a sua ideia de jogo para potenciar um posicionamento a Lionel Messi que o exponha a um menor número de choques, aumentando o rendimento das suas ações com bola. Messi atrai e serve os seus companheiros de uma forma muito clara dentro do retângulo de jogo.

Aquilo que parece faltar a Neymar – e que, por exemplo, Cristiano Ronaldo acabou por encontrar no Real Madrid, de tal forma que se mantém como um elemento decisivo para o cumprimento de objetivos do clube, mesmo que o seu rendimento global decaia – é um plano a médio prazo para que o seu comportamento do jogo deixe de se realizar em “esforço”, para se tornar “sem problema”. Um plano que não passa pelo seu pai-empresário, pela sua capacidade de fazer mais uma finta ou uma jogada que bata recordes de visualizações. Um plano que inclui um clube e um treinador com esse pensamento alargado do potencial de se ter um jogador como Neymar (e Mbappé e Cavani e etc…). Aquilo que nem Paris SG, nem Unai Emery estão a conseguir ser.

*Citações retiradas do capítulo 8, “A leveza do ser” do livro Traços Alterados, de Daniel Goleman e Richard J. Davidson, edição da Temas & Debates.

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