Luís Cristóvão

Não é o resultado que define Guardiola

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O ponto de partida para este artigo são as avaliações feitas ao trabalho de Pep Guardiola a partir dos resultados alcançados, comportamento, aliás, que costuma estar na dianteira da análise feita ao trabalho de todos os treinadores. Procurando aprofundar a definição de Guardiolismo e entendendo o valor da experiência, espero demonstrar que, quem espera resultados, tende a encontrar mais desilusões.

Queremos continuar a avaliar o que faz uma equipa de futebol pelos resultados que alcança, independentemente do contexto da mesma e a sua situação. Queremos que um jogo seja só um jogo e que se possam retirar conclusões do mesmo sem olhar a nada mais que os golos marcados e sofridos. No entanto, o futebol dá-nos muito mais que isso. Dá-nos um relance de vida que é impossível de fechar num só caminho ou direção.

Uma definição de Guardiolismo

O futebol não é uma ciência, mas a ciência pode melhorar o nível do futebol

Jens Bangsbo (retirado de André Pinto)

Após a publicação do artigo “Guardiolismo no Atlético Mineiro”, uma das críticas mais repetidas sobre o mesmo visava a falta de resultados para se aferir da veracidade daquilo que era proposto no título. No entanto, para uma definição de Guardiolismo muito pouco contribuirá o resultado que uma equipa alcance. Olhamos, sim, para outros indicadores. As pretensões da equipa quando tem a bola e quando não a tem, as intenções da mesma perante o jogo, o pensamento teórico que o treinador tenta impor através do treino e a forma como este se vai revelando no jogo.

Falamos de indicadores que são mensuráveis, ora pelos dados estatísticos, ora pela avaliação qualitativa da observação, contribuindo os dois eixos para um entendimento daquilo que vemos em determinado contexto. Também por isso, por acreditarmos na base que utilizamos para partir para uma artigo, não devemos temer associar Thiago Larghi e Guardiolismo, como não devemos ter que esperar um treinador ser campeão para começar a ouvir as suas palavras. Todas as experiências oferecem contributos válidos para o entendimento do jogo, sendo que a experiência do resultado é, muitas vezes, a mais limitada que podemos encontrar.

A experiência enquanto elemento constitutivo

Não se trata apenas de dividir pesos e classificações entre o biológico e o cultural, mas sim entender que estão intrinsecamente relacionados.

Mariano Sigman

No seu livro A vida secreta da mente, o neurocientista argentino Mariano Sigman começa por tentar estabelecer a impossibilidade de compreender o comportamento humano ignorando as características do cérebro, “o órgão que o institui”. Nos estudos que vai apontando para construir a sua teoria, somam-se contributos para delinear um caminho que, não sendo principal devedor nem da biologia nem do enquadramento social, encontra na sua experiência influências de ambas as partes que vão contribuindo para o desenho das suas capacidades. Ou seja, a dimensão biológica do cérebro é influenciada pelo seu contexto cultural, da mesma forma que este último sofre com as possibilidades abertas pela adaptação da primeira.

Porquê trazer uma conversa sobre o cérebro para um artigo onde se fala de resultados? Porque o princípio teórico da análise de Mariano Sigman nos ajuda a fazer compreender, de forma bastante produtiva, de que o resultado final que podemos ter de algo, e por algo falamos de um elemento tão constitutivo do comportamento humano como o cérebro, não depende da intenção de procurarmos esse mesmo resultado. O querer vencer, tal como o querer criar um ser humano com capacidade para tomar decisões e entender as consequências das mesmas, não é nunca um caminho direto para se o atingir. Tudo o resto que está à beira desse caminho, as experiências, as limitações, as tentativas, os erros, todos os comportamentos associados a cada uma dessas coisas, sim, vão permitir-nos, ou não, alcançar o resultado desejado.

Pep Guardiola e o cérebro

O elemento central da filosofia de Pep Guardiola é o seu entendimento da plasticidade do jogo, tendo o jogador como cérebro do mesmo e a experiência cultural em seu redor como manipulador das suas realidades. Para isso contribuem todos os fatores, não sendo por isso de espantar que, ao longo do seu percurso, o técnico catalão tenha procurado conhecimento e influência nas mais diversas áreas da ciência e do comportamento humano.

No Barcelona, teve a oportunidade de se inserir numa filosofia de vida que, trabalhada ao longo de toda a formação do clube, permitiu chegar à equipa principal com todos os elementos preparados para a constituição de um exemplo de um cérebro criativo, conhecedor, capaz de se entender e dominar os seus instintos. No Bayern, para onde foi contratado para influenciar, através do seu trabalho, toda a filosofia do clube (e, por aí, acabar por alimentar a filosofia do próprio futebol alemão), os resultados nunca foram fonte de depressões, tendo a equipa de Munique vencido, como seria de esperar, o campeonato germânico, mas não tendo conseguido nenhuma conquista europeia. Em Manchester, Pep Guardiola volta a encontrar um contexto que começou a ser trabalhado a partir da formação, com vários elementos trazidos de Barcelona, ao longo dos últimos anos, para a administração e formação do clube. Uma vez mais, cabe-lhe o papel de transformador desse trabalho para a realidade do futebol sénior. A primeira temporada, sem resultados, não foi um entrave ao desenvolvimento do seu trabalho.

Porque associamos, então, Guardiola aos resultados, ao ganhar, quando deveríamos, sobretudo, associá-lo à capacidade de transformar realidades a partir da utilização dos contextos para influenciar o comportamento daqueles que estão à sua volta? Porque não associamos Guardiola a capacidade de criar uma atitude paciente naqueles que administram os clubes por onde passa? Pensemos no assunto, esperando que o Guardiolismo continue a fazer caminho pelo mundo fora.

Notas:
*A frase atribuída a Jens Bangso foi retirada da Monografia de Licenciatura de André Guilherme Marques Pinto.
*O livro “A vida secreta da mente” de Mariano Sigman foi publicado em Portugal, pela Editora Temas e Debates, do Círculo de Leitores, em março de 2018.

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