Klopp, Guardiola e a Revolução do Século XXI

O sorteio dos quartos-de-final da Liga dos Campeões oferece-nos o primeiro encontro entre Liverpool e Manchester City numa competição europeia. Depois de 178 jogos em provas inglesas, pela primeira vez joga-se numa escala internacional. Mas não são só os emblemas, nem as histórias, que entram em campo para se defrontar. É também o pensamento de dois dos treinadores mais importantes do século XXI, Jurgen Klopp e Pep Guardiola.

Pela forma apaixonada como revelam o seu trabalho, pelo envolvimento que testemunham em cada jogo, Klopp e Guardiola são dois dos nomes mais estudados do universo futebolístico. Tenha sido no Borussia Dortmund ou em Liverpool, no caso do alemão, no Barcelona, Bayern Munique ou Manchester City, no caso do catalão, o que não faltam são análises e certezas sobre o que cada um destes homens trouxe ao jogo. E, no entanto, a cada encontro entre eles, aquilo que parece ter mais força para existir são as suas dúvidas.

Tudo é tentativa

Tudo é tentativa, porque ninguém sabe como funciona. Até o Guardiola teve problemas e dúvidas no início, no Barcelona B. […] Somos seres humanos, temos sempre questões a colocar

Jurgen Klopp

Tanto Klopp como Guardiola têm em comum o facto de, enquanto jogadores, nunca se terem sentido capazes de cumprir tudo aquilo que o seu pensamento elaborava, e talvez por isso (ou também por isso), desde cedo tiveram como objetivo passarem a treinadores. O seu percurso, no entanto, diferencia-se bastante por aquilo que foram as suas experiências pessoais, as suas vivências, o seu contexto de desenvolvimento, mesmo fora do futebol.

Três anos mais velho do que o catalão, Jurgen Klopp foi um jogador de 2.Bundesliga, começando a carreira como avançado e terminando como defesa, filho de um futebol de luta e intensidade física que caracterizava as divisões secundárias germânicas. A mesma raça que colocava em campo aparece, ainda, sinalizada no seu comportamento no banco, ele que começou a ser treinador na mesma semana em que deixou de jogar futebol, no Mainz.

Perante o entendimento de que o futebol é algo que “ninguém sabe como funciona”, Klopp tende a esticar a corda das suas equipas numa atitude de confronto. O futebol “roque enrole” que ele tantas vezes cita é isso mesmo, uma atitude de rebeldia contra o estabelecido. Por isso as suas equipas sugerem essa ideia de caos e velocidade, alimentando a contradição de ganhar vantagem no momento seguinte a ter perdido a bola. O contraste mais profundo com o seu adversário de hoje.

Internacional espanhol e capitão do FC Barcelona, Pep Guardiola deixou a sua equipa de sempre para ainda representar equipas em Itália, no Qatar e no México. Mas nessa fase tardia da sua carreira, aquilo que o guiava já não era a paixão do jogar, mas sim a necessidade de aprender. Procurou, sempre, conseguir responder às perguntas na teoria antes de ter que as colocar em prática e, se há algo que servirá para diferenciar Guardiola dos demais é a sua capacidade para inovar na forma de perguntar.

Também o catalão ficará na história como alguém que colocou em causa várias das verdades assumidas do futebol. Mas não o fez tanto por rebeldia, mas mais por ser um ávido perseguidor do conhecimento, não se satisfazendo nunca com a resposta pré-concebida dos que “vivem no futebol”. Pelo contrário, o seu jogar é um refinamento até ao pormenor das possibilidades do jogo, de uma ambição de controlo que o faz, para lá da micro gestão que faz da sua equipa, querer também ser capaz de prever tudo aquilo que o seu adversário poderá fazer.

Um jogo de ideias

O sonho de um treinador é que todos acreditem nas suas ideias, porque os jogadores sabem que queremos o melhor para eles

Pep Guardiola

Jurgen Klopp trouxe para Inglaterra uma atitude perante o jogo que os ingleses reconhecem – e os adeptos de Liverpool ansiavam depois de anos de dificuldades de entendimento sobre a relação dos seus treinadores com a história da sua cidade e do seu clube -, mas que vai muito para lá daquilo que era o ADN do futebol inglês. A evolução do jogo e o contexto em que ele se desenrola ao mais alto nível, permite-lhe unir as capacidades de Henderson e Milner, com a disruptura proposta por Mo Salah, Roberto Firmino e Sadio Mané, todos jogadores que, à sua imagem, oferecem uma rebeldia com causa aos atuais Reds.

Pep Guardiola foi mais além, trazendo para Inglaterra um pensamento teórico que muitos consideraram que os ingleses iriam rejeitar – e no entanto não haverá nada mais inglês do que entender o profissionalismo de uma equipa de futebol, o tratamento fiel do aproveitar de oportunidades, a crença na qualidade do trabalho -, beneficiando de um contexto no clube que foi preparado para que ele fosse a última peça de uma construção lógica (e não a primeira, como na Alemanha, o que levou a desentendimentos regulares entre históricos do clube e treinador quando os resultados não foram tão bons quanto o desejado). A sua equipa é também já originária desse futebol jogado à escala mundial, no cruzamento de tendências e vivências, no aproveitar da genialidade dos seus jogadores que lhe trazem um pedaço de Lisboa, um pedaço de Valência, um pedaço de São Paulo, um outro de Gent, e onde, até, o inglês de maior destaque é puro perfume das Caraíbas.

O encontro entre Liverpool e Manchester City é, desta forma, um jogo de ideias e influências, de histórias e possibilidades, que a evolução do jogo e o seu contexto económico permitiram acontecer numa distância de 60 km, no norte de Inglaterra, no coração do território onde floresceu a Revolução Industrial do século XIX. Por certo, com a partida a contar para a Liga dos Campeões, se poderá dizer que uma nova revolução está a passar por aqui.

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