Luís Cristóvão

A eternidade não passa por aqui – Solari no Benito Villamarín

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Um pouco por todo o mundo, adultos ansiosos continuam a expor crianças inocentes à pergunta “gostas mais da mamã ou do papá?” Da mesma maneira que um ser humano maduro e racional se escusaria a repetir tal ladainha, a maioria das crianças, mesmo que depois de aturado período de pensamento, acaba por concluir que certas perguntas ficam melhor sem resposta.

Ocorre-me esta ideia depois de assistir à performance do Real Madrid no Benito Villamarín. Ponto prévio, Santiago Solari ainda não conseguiu demonstrar capacidades para ser visto como treinador principal do Real Madrid, o posto que ocupa atualmente. Da tentativa de liberar os seus jogadores do “jugo Lopeteguiano”, com uma série de vitórias alcançadas depois de estalar o chicote, até à necessidade de começar a demonstrar um objetivo para o seu processo de jogo, vários engulhos têm surgido no caminho do argentino. A pobre gestão do plantel merengue, por quem decide e contrata, o número de lesões que afetam figuras principais e a dificuldade para estabelecer diálogo com alguns dos elementos do seu grupo saltam à vista.

O Real Madrid chegava à 19ª jornada depois de ter falhado a vitória nos dois primeiros encontros de LaLiga no ano civil de 2019. Sem Bale, Kroos ou Courtois, mas também sem dar qualquer sinal de mudança na antevisão realizada à partida. E, no entanto, perante as dificuldades, o Real Madrid que subiu ao relvado foi uma equipa que pensou o jogo, estrategicamente, para minar as fragilidades do Bétis. Num jogo de vida ou morte, Solari decidia colocar o estatuto do Real Madrid “no prego” e avançar para solução sem grande hipótese de repetição.

Os princípios adoptados incluíam uma linha de três centrais, sempre posicionados para roubar a profundidade a um Bétis que tem no contra-ataque uma das suas armas disruptivas, a conjugação de momentos de pressão alta, impedindo a tranquilidade na primeira fase de construção com o recuo do bloco para um 5-3-2 de maneira a povoar o corredor central nos momentos de ataque organizado do seu rival, Benzema como coração da procura ofensiva, fosse no toque e passe, fosse no arrastamento dos centrais rivais e três flechas, Carvajal pela direita, Reguilón pela esquerda e Vinícius Júnior onde bem lhe aprouvesse na busca do desequilíbrio.

Esta postura, a priori, defensiva, criava campo para chegar com muita gente perto da área do Bétis e foi assim que, logo aos 12 minutos, Modric abriu o marcador, num lance em que a desconcentração defensiva dos homens da casa permitiu espaço ao croata para entender como rematar. E foi com vantagem no marcador que a estratégia “à la Levante” de Solari mais brilhou. O Bétis assumia a posse de bola sem capacidade para acelerar na aproximação ao último terço, nem capacidade para impor gente entre as linhas defensivas do seu rival e o Real Madrid surgiu sete vezes a rematar até ao intervalo.

No Benzema, no party

Com a lesão de Benzema ao intervalo, o Real Madrid perdia uma peça essencial para manter a sua capacidade de ferir o adversário no contra-ataque. No fundo, perdia-se o elo de ligação entre as individualidades que sobravam em campo, potenciando-se cada vez mais o factor Vinícius contra o mundo nas escassas tentativas de sair para o ataque. Foi, também, o melhor período do conjunto de Quique Setién, que na antevisão da partida já tinha deixado bem claro que não entende os momentos de forma como algo rígido e concreto, salvaguardando as qualidades individuais do seu adversário e a sua facilidade para marcar, como havia feito, em jogo da Taça do Rei, frente ao Leganés.

O Bétis mudou sem mexer no onze. Sobretudo, acelerando o ritmo de troca de bola, assegurando capacidade para mudar de corredor de ataque de forma mais rápida para criar problemas de posicionamento defensivo ao Real Madrid, forçando iniciativas onde colocava peças entre as linhas do seu adversário. Era uma equipa cada vez mais afirmativa na sua maneira de pensar o jogo. Incapacitado para acelerar por via do contra-ataque, Setién demonstrou bem aos seus jogadores que a solução passava por acelerar em posse, como Canales bem definiu na flash interview final, ao assumir que durante o intervalo o seu treinador apenas lhes havia pedido para continuar a fazer o mesmo, mas melhor.

Foi também na segunda parte o momento em que o Bétis alcançou o domínio do jogo. Porque se, até aqui, a posse de bola não lhe havia permitido controlar o ritmo da partida, a forma como abordava o segundo tempo, sim, oferecia essa capacidade. Para além do mais, percebia-se que não havia uma continuidade estratégica na opção de Santiago Solari. A vencer desde cedo e perante o natural crescimento do adversário, a equipa não tinha outra solução do que baixar linhas, chegando até a formar uma linha de seis defesas para tentar conter a largura do ataque do Bétis, apostando tudo no resultado. Ou seja, defender demonstrou-se bem longe de ser o mais fácil e o mais eficaz para quem pensou o jogo no factor resultadismo. Porque mesmo para defender de forma consistente durante 80 minutos é necessário um trabalho de equilíbrio que a equipa do Real Madrid nunca revelou. A ausência do processo macro sente-se na ausência do processo micro. E toda a segunda parte pareceu gritar a plenos pulmões que era o Bétis a equipa mais forte e mais próxima de vencer a partida.

Foi a transformação da equipa do Real Madrid a um quarto de hora do final, com a saída de Reguilón e a entrada de Dani Ceballos, regressando o conjunto merengue a um 4-3-3 a que está bastante mais habituado, que acabou por conter a reação dos homens da casa. Depois do golo marcado, aos 67 minutos, o Bétis só conseguiu fazer mais dois remates, mesmo tendo sido o período em que havia mais algum espaço para aparecer no ataque. No entanto, o novo despertar do Real Madrid para o jogo, voltando a denotar momentos de pressão alta e travando a liberdade de William Carvalho em espaços mais recuados, impedia o Bétis de sair para o ataque. Mesmo revelando tranquilidade na opção de sair a jogar frente a tantas peças rivais, a equipa de Sevilha demorava muito mais a organizar-se no meio-campo adversário e numa fase do encontro onde se sentia o desgaste isso acabou por ser fatal.

O certo é que, se o dramatismo da partida ficou coroado com o livre direto apontado por Dani Ceballos, menino da casa fortemente assobiado pela memória do episódio da sua saída para o Real Madrid, qualquer uma das equipas poderia ter saído com a vitória nesta partida, ainda que um empate se ajustasse mais à forma incompleta como ambos os conjuntos parecem viver o seu momento atual. Porque no Benito Villamarín ninguém jogou para agradar ao papá ou à mamã. O Bétis continua a sofrer por não conseguir transformar posse em oportunidades flagrantes, com pouquíssima capacidade de finalização. O Real Madrid viveu para ver nascer um novo dia, ao garantir uma vitória, que não deixa, no entanto, nada que se possa aproveitar para os próximos encontros, tendo em conta que o fez através de uma estratégia recortada para funcionar frente a este adversário. A única coisa que Solari leva de Sevilha é tempo para resgatar a sua equipa para uma identidade que possa ser utilizada de forma perene.

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