Não precisei de conhecer o Eduardo Galeano para me apaixonar pelo futebol. Aliás, nem precisei de aprender a ler. O futebol esteve lá sempre, antes de tudo o resto. Em parte, até cresci para estar em desacordo com a frase mais citada do autor uruguaio, aquela em que ele diz que “en su vida, un hombre puede cambiar de mujer, de partido político o de religión, pero no puede cambiar de equipo de fútbol”. A verdade é que os anos me vão demonstrando que acabamos por encontrar a nossa mulher, a nossa visão política e religiosa do mundo enquanto, nesse processo, para quem sente tão profundamente o futebol, a equipa passa a ser apenas um pequeno ponto de passagem na procura do jogo que nos faz reviver a emoção que sentimos quando éramos apenas crianças.
No entanto, com Eduardo Galeano aprendi outras coisas. Aprendi, sobretudo, que a literatura e o futebol não vivem de costas voltadas, pelo contrário, partilham o campo, o sonho, a emoção e a eterna busca de uma organização imperfeita que torna tão brilhante um poema como um bom remate à baliza. Com o Galeano aprendi a deixar de ter, talvez, vergonha de me apaixonar inteiramente pelas coisas que tão profundamente fazem parte de mim, como se “ser Eduardo Galeano” fosse algo a que estivesse condenado, mesmo quando ainda não me percebia desta maneira. Agora que o escritor uruguaio fechou a porta da vida e seguiu o seu caminho, não encontraria melhor momento para que a sua memória continue a ser evocada, uma e outra vez, na busca desse solitário momento que nos faz sentir tão únicos e especiais. O do sucesso do golo e da palavra, num gesto só.