Semana 34: Talvez não te devesses preocupar tanto com o jogo

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Semana após semana vou encontrando nos pavilhões gente e mais gente imensa e intensamente preocupada com o jogo. Começa pelos próprios quadros competitivos que vão sugerindo que os atletas façam mais de um jogo por fim-de-semana. Formaliza-se na pressão de treinadores e pais para que exista uma disponibilidades dos jovens para o “jogo”, focando no “jogo” o momento alto da semana de prática. Consubstancia-se na atitude com que treinadores, seccionistas e famílias se apresentam para os ditos jogos, criando situações de stress elevado para jovens que deviam estar nas respetivas modalidades para, acima de tudo, se divertirem.

No entanto, o final acaba por ser sempre o mesmo. De uma forma genérica, quem ganha, sai satisfeito, quem perde, sai desgostoso com o resultado. Esquecemo-nos, quase de forma religiosa, que o jogo, em si, vale exatamente o mesmo que cada sessão de treino, que cada oportunidade que os jovens têm para praticar a modalidade. E esquecemo-nos, fundamentalmente, de que o jogo encerra uma quantidade de experiências ricas e válidas que devem ser valorizadas a cada momento.

Uma atitude solidária ou cooperativa com um colega em dificuldades, a aceitação do erro do outro, o comportamento perante o desafio de dificuldade mais elevada, tudo isto são coisas que deveriam ser valorizadas de forma tão intensa quanto um cesto que entrou. Conseguir estabelecer o quadro ideal para que os jovens compreendam e aceitem isso mesmo é a obrigação que, dia após dia, um treinador deve ter.

No final das contas, o jogo, sobretudo nos escalões mais baixos, tem muito pouco a ver com a modalidade que o jovem pratica, estando muito mais relacionado com aquilo que nós queremos que o jovem seja. Os estudos académicos vão comprovando, um após o outro, que a competição em escalões abaixo dos 13 anos tem pouquíssimo valor, até porque, o mais importante nestes escalões etários é a riqueza de diferentes práticas desportivas. Deveria ser, assim, valorizado, o modo e a oportunidade de correr, saltar, agarrar a bola, lançá-la, etc, em lugar do resultado de cada uma destas ações.

Até porque, na verdade, está também demonstrado que o fundamento genético e psicossocial é imensamente mais válido para a formação de um atleta de elite. O trabalho de Ross Tucker e Malcolm Collins que a seguir citamos demonstra isso mesmo, ficando claro que se pode “construir” um atleta de elite em pouquíssimo tempo, assim ele comporte uma mistura de talento genético e variabilidade de experiências desportivas.

Carece, assim, de fundamento científico o foco que colocamos no resultado do jogo, na atuação do árbitro, no “erro” no gesto do jovem atleta. Importante é viver pequenas experiências de sucesso que motivem para a continuidade na modalidade, identificando-a como algo de rico e generoso em termos de divertimento, oportunidade de crescimento e evolução, capacidade de valorização pessoal dos nossos jovens.

O que não carece de fundamento científico é isto:

“These studies of skill-based activities challenge the theory that performance is constrained by accumulated hours of deliberate practice. Studies of sport reveal that elite athletes rarely complete 10 000 h before reaching international levels. For example, 28% of elite Australian athletes reached elite status within 4 years of taking up the sport for the very first time,13 while international level wrestlers, field hockey players and footballers had accumulated only 6000 h, 4000 h and 5000 h of training, respectively.

A systematic approach to talent identification and training has also been able to produce a world-class skeleton athlete within 10 weeks of first exposure to the sport. Athletes were chosen based on sprint performance, anthropometrical characteristics and power, which favoured individuals with prior training in other sports. A period of training followed, and athletes were able to achieve top six rankings in international competition and Olympic participation within 14 months, ‘leap-frogging’ more experienced competitors.

It was concluded that talent transfer, based on innate abilities and ability developed through playing other sports, can be used to accelerate the acquisition of expert performance into very short time frames, which explains why elite athletes often perform significantly less than 10 000 h of deliberate practice.”*

Amanhã há treino!

* Ross Tucker e Malcolm Collins, “What makes champions? A review of the relative contribution of genes and training to sporting success”, Br J Sports Med 2012;46:555–561. doi:10.1136/bjsports-2011-090548

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