diário do futebolEscrever um diário pode ser comparável a uma decisão de uma vida. Quando éramos miúdos, havia toda aquela cerimónia da compra do diário, com cadeado, de preferência, e do tempo de preparação até ao dia em que, finalmente, se começava a escrever. Deveria ser pelo final da tarde, depois da escola e das brincadeiras, que finalmente colocávamos a data no cimo da página e puxávamos pela cabeça até que alguma coisa saísse. “Hoje de manhã encontrei o Chico quando cheguei à escola e…” Não quero que se desmotivem com o facto de eu nunca ter escrito diários durante a infância. Mas é um facto.

Para mim, toda essa espera cerimoniosa e carregada de ansiedade revelava-se nas semanas que antecediam as grandes competições de futebol. Meses antes começava-se a fazer a caderneta de cromos, estudando desde logo a cara desses desconhecidos que viriam a ser uns heróis. Era graças à Panini, ou, depois, à Onze Mondial, que ficávamos a saber ainda da existência de alguns clubes que nos haviam escapado ao crivo, como um Sportul Studentesc ou um Naestved. Todos os plantéis eram depois respigados e confirmados nos jornais, até que no dia em que finalmente lá começava o Euro ou o Mundial, estávamos prontos para revelar os nossos dotes enciclopédicos.


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Os nossos dias fazem-nos viver tudo mais de perto. Com facilidade sabemos o que se passa na 3ª Divisão da Áustria ou na Taça do País de Gales, e de certa forma ter-se-á perdido o encanto de ver um jogo das competições europeias, em direto de Budapeste, com aquela imagem escura e granulada, debaixo do encanto de perceber que às três horas da tarde já era de noite na Hungria. Talvez agora sejam raras as crianças que enchem folhas e folhas de papel com a invenção do que o Europeu pode vir a ser, que o vivam continuamente uma e outra vez nos seus jogos de caricas ou de bonequinhos de bolos de aniversário, que se interessem profundamente por adivinhar qual dos guarda-redes suplentes da Albânia, o Hoxha ou o Sheji, seria chamado para a baliza se o Berisha se lesionasse.

Mas para muitos de nós, foi assim que nasceu o mundo. Com diários fechados por cadeados e informação apenas acessível ao mais dedicado dos investigadores. Todo esse tempo ocupado a tentar abrir um fecho do qual se perdeu a chave, deu-nos esta estranha capacidade de super-herói capaz de conectar o que acontece num retângulo relvado e as mais belas histórias do mundo. Se entraram neste post à procura de perceber como se escreve um diário, compreendo a vossa desilusão. É isso que vou tentar demonstrar nos dias que se seguem até ao 11 de julho.

Espero que me acompanhem até lá!

Publicado por Luís Cristóvão

Comentador na Antena 1, Eleven Sports e SIC Notícias. Autor no Expresso. Analista de futebol, fala e escreve sobre desporto em vários meios de comunicação social.

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