O sociólogo francês Frédéric Rasera viveu, durante quatro anos, a experiência de estar no seio de uma equipa da Ligue 2 francesa, trabalho do qual resultou, no ano passado, a publicação do livro “Des footballeurs au travail. Au cœur d’un club professionnel”, da Editora Agone. A partir de três entrevistas dadas pelo autor a meios de comunicação franceses e suíços, analisamos as conclusões de Frédéric Rasera sobre a relação dos futebolistas com o seu trabalho.
A equipa e o individual
É um universo profissional que cultiva ao extremo o coletivo e que, ao mesmo tempo, é ultra-individualizado porque as carreiras são individuais, as condições de trabalho são individuais, o quotidiano do trabalho, com um sistema de seleção, é individualizado.
Os interesses dos futebolistas podem, potencialmente, entrar em concorrência com os interesses do coletivo. No entanto, para um jogador, ser etiquetado de individualista é o que existe de pior
Num universo onde o coletivo surge como ponto essencial de organização do trabalho e da competição – são os interesses competitivos da equipa que estão no topo das preocupações -, o futebolista está constantemente em tensão, dado que os seus interesses individuais têm, no quotidiano, uma importância fundamental. A carreira do jogador pode, em parte, depender do seu lugar na equipa e do sucesso da equipa, mas acaba, fundamentalmente, por se realizar de uma forma individual, já que são indivíduos quem pode tirar benefícios desse sucesso coletivo. De uma equipa campeã, tanto podem sair jogadores para equipas melhores, com contratos de valor superior, como podem fazê-lo para equipas de nível menor, em situações mais precárias.
Logo, os interesses de um jogador podem estar em concorrência com os interesses da equipa.
Há um caso de um jogador que, não sendo escolhido para o onze titular, acaba contente por a equipa perder. Para compreender este tipo de situação de uma forma não-normativa, é preciso ter em conta a posição do jogador no coletivo de trabalho e a sua posição num mercado de trabalho muito inseguro
Ainda não há muito tempo, numa conversa com um treinador de uma equipa profissional, via este assunto ser levado para o campo da falta de solidariedade com os colegas e com a equipa técnica – apesar deste trabalho se focar nas questões dos futebolistas, as questões laborais dos treinadores são igualmente sensíveis”. No entanto, das decisões do treinador podem haver consequências nefastas para o jogador, como a redução dos prémios recebidos, bem como a queda da cotação no mercado de transferências.
A paixão e o racional
O discurso da paixão é uma presença constante no mundo do futebol. No fundo, o autor confirma que é por paixão que a grande maioria dos futebolistas escolheram a sua profissão, no entanto, esta forma de encarar o seu trabalho pode acabar por tornar o jogador como um elemento dependente numa relação desequilibrada entre quem lidera e quem executa.
Os jogadores falam regularmente da sua paixão pelo futebol
A paixão não implica uma aceitação automática das restrições profissionais que os jogadores têm que enfrentar. De certa maneira, a paixão acaba por ser uma verdadeira forma de resistência às imposições dos seus superiores hierárquicos
No discurso desportivo, a dimensão económica e de direitos do trabalhador são constantemente ignoradas, cabendo ao agente mediar a relação entre jogadores e dirigentes. Desta forma, defende Rasera, são os agentes quem permite ao jogador algum distanciamento das questões contratuais, aparecendo quase como um elemento que salvaguarda o discurso ético do desporto.
A compreensão da posição de fragilidade em que um futebolista profissional se encontra em relação à manutenção do seu posto de trabalho é essencial para que se possa compreender e enquadrar os seus comportamentos.
Nota
As entrevistas utilizadas para a escrita do artigo são:
Frédéric Rasera : «Chez les footballeurs, la souffrance psychologique est banalisée», Libèration, 17/11/2016
Au football, «les joueurs n’ont que très peu de poids sur la définition de leur travail» – Le Temps, 16/12/2016
Frédéric Rasera : « Le temps de jeu est une arme pour les employeurs», Les Cahiers do Foot, 17/02/2017