Final da Liga Europa: Mourinho e Maquiavel sobre Organização Defensiva

A final da Liga Europa de ontem deu ao Manchester United mais um título para o seu extenso currículo, tendo levado José Mourinho a provar, de novo, a glória europeia, permitindo-lhe o regresso à Supertaça Europeia e à Liga dos Campeões na próxima temporada. Mas, nas conversas que foram decorrendo durante e depois do jogo, o tema são as opções defensivas do treinador português para “tirar” o Ajax do jogo.

Nas modalidades colectivas, as opções de defesa à zona ou ao homem são cíclicas, porque respondem à evolução da organização ofensiva. Quando o ataque supera uma opção defensiva (a defesa zona, por exemplo) regressa-se à defesa homem a homem, porque cria uma nova dificuldade a quem ataca. Este mecanismo de acção e reacção faz parte da própria natureza e evolução humana e é ele que permite a evolução das dinâmicas no jogo. De certa maneira, podemos afirmar que é esta a resposta da táctica à capacidade de evolução infinita da técnica.

A contra-argumentação a este princípio filosófico de explicar o jogo passa pelo relembrar que as respostas para ultrapassar uma defesa homem a homem já estão encontradas. No entanto, o futebol não se joga entre estudantes da disciplina “História da Táctica”, nem para se ser jogador é preciso passar por um exame de “Metodologias e Técnicas do Estudo Avançado do Futebol”. O que acontece no relvado é reflexo desta história apenas na forma como o nosso conhecimento afecta os nossos costumes e, se uma equipa está montada e treinada para enfrentar esquemas defensivos à zona, a defesa ao homem irá, com certeza, ter a capacidade de destabilizar a sua organização ofensiva. O princípio da desestabilização é o que está na essência do jogo.

No fundo, não podemos olhar para o futebol como um teste em que há respostas certas e erradas, pensar assim contraria a complexidade do jogo.

No final do encontro, José Mourinho pareceu querer puxar esta discussão para o campo dos romantismos estéticos com que, alguns, tendem a analisar o jogo. Mas não estamos perante uma questão romântica. Estamos, sim, perante uma questão do mundo não ser aquilo que desejamos. Ao olhar um jogo, o “não gosto” ou o “não me agrada” significa zero. Devemos sempre tentar entrar na cabeça do outro, estudar-lhe as decisões e perceber o que faremos quando usarem determinada opção contra nós  (imaginando, desde logo, quando poderemos usar essa mesma opção contra o nosso adversário). Vem no Maquiavel, um autor que José Mourinho seguramente leu.

Publicado no Lateral Esquerdo.

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