Nos dias em que o mundo parece ter desistido de perceber que a cultura, a democracia e a paz são a base da nossa vida, é bom perceber como coisas tão simples como o futebol representam uma escola de valores.
Foi no desporto que aprendi muito daquilo que entendo por democracia. No campo, procurando o melhor argumento para, dentro de um coletivo, conseguir fazer vencer as minhas ideias. Fora dele, respeitando os adversários que, como iguais que são, também tentam tudo para vencer e, terminado o jogo, se cumprimentam prontos para seguir com a sua vida. Para mim, o desporto, e o futebol, é muito isto. Esta aprendizagem constante de estar inserido numa equipa, de perceber que cada um terá que cumprir a sua missão para que o objetivo global seja alcançado. Esta luta por um objetivo definido, seja a conquista de vitórias ou o alcance de um estado de satisfação com a exibição que conseguimos.
Foi também com o futebol que aprendi quase tudo aquilo que sei de cultura. Porque esta vida constante dentro de equipas nos leva a entender como funcionam a sociedade. Já sabia, desde muito pequeno, que é preciso dar ouvidos ao treinador, respeitar o árbitro e o capitão, entender como o cumprir de um pequeno papel pode ser fundamental na orquestração geral das coisas. Também foi aprendendo que vestir uma camisola é vestir uma história, pelas suas cores e símbolos, que merecem todos igual respeito da mesma forma, porque todos eles são uma parte fundamental da relação que estabelecemos entre humanos. Para além disso, também aprendi nomes de países e cidades sem fim, percebi as diferenças entre os nomes e as línguas de todos os continentes, adquiri esse cosmopolitismo de considerar natural que o talento tanto possa crescer na Etiópia, no Irão, na Venezuela ou na Islândia.
Ao crescer, outras portas de conhecimento se abrirão. A dimensão social do jogo é imensa e é ainda através do futebol que jovens, de todos os estratos sociais, ambicionam de igual forma a serem os melhores do mundo. Porque no futebol, graças a essa igualização do estatuto de cada um através da sua capacidade de relação com a bola, não se alimentam as mesmas desigualdades que começam no berço. Aprende-se tão bem a chutar uma bola descalço como com umas botas topo de gama, desenvolvem-se da mesma forma as capacidades coordenativas num campo de uma academia como num descampado de um bairro de lata.
Diplomacia e responsabilidade
Muitas vezes ouvi dizer que o futebol substituíra a guerra na relação entre as nações, mas cada vez entendo melhor como essa é uma visão errada desta composição. O futebol não é um substituto da guerra, porque essa continua a existir. Na verdade, o futebol substitui a diplomacia, em épocas onde parece cada vez mais complexo falar das coisas em que acreditamos sem sermos acusados de estarmos perturbados por uma visão que exclui o outro lado. E substitui a diplomacia porque o futebol tem esse dom de nos levar a preparar a nossa argumentação, com todo o cuidado e durante dias e semanas de treino, para nos apresentamos na cimeira que é o jogo para disputar a vitória no mesmo.
Também por isso, há tanta responsabilidade no vestir de uma camisola que transporte um símbolo ao peito. A camisola de uma seleção, ainda mais do que as outras. Porque nas cimeiras do jogo de futebol, não há ricos ou pobres, entendidos ou ignorantes, grandes ou pequenos. Qualquer país pode apresentar a sua melhor argumentação na forma de jogar o jogo, o seu melhor equilíbrio de forças, para ser digno de vencer uma competição.
Por isso, vestir uma camisola dessas, é sempre sinal de um profundo respeito por todos aqueles que, no mundo, amam o jogo. E amar o jogo é amar a vida, porque tudo o que se passa num campo de futebol passa-se, também, de uma forma mais caótica, na vida. Respeito pela argumentação e pela luta justa, respeito pelo pensamento democrático, respeito pela cultura do jogo, respeito pelas possibilidades iguais para todos. Sem violência, sem guerra, sem outras armas que não sejam a inteligência e o talento.