Estruturas de interpretação, o processo contínuo de melhoramento entre indivíduo e coletivo, o desenvolvimento de modelos que nos permitam entender todas as nossas forças numa dinâmica de evolução. Ciência e futebol aproximados no pensamento de Julen Castellano.
Num mundo cada vez mais científico, a resistência à ciência cresce na mesma medida. Se nos permitimos a apresentar uma conclusão de um trabalho de investigação de anos num resumo de cem ou duzentas palavras, corremos o risco de não o conseguir diferenciar de um outro texto que resulte apenas de uma pseudociência baseada nas palavras de uns quantos amigos. O cérebro humano descansava na certeza de que um mundo se baseava numa hierarquia bem organizada, onde a verdade era transmitida de uma forma simples através dos meios de divulgação de notícia e conhecimento. A força multiplicadora de vias para chegar ao mesmo lugar não nos tornou mais fortes, obriga-nos, isso sim, a ser muito mais conscientes das nossas forças e a não parar de desenvolver as nossas estruturas de interpretação.
Julen Castellano mistura a sua larga experiência de futebolista e de investigador para ajudar o Deportivo Alavés e o Baskonia a optimizar os seus processos de formação de jogadores. Tudo conta. O princípio do novo verbo é medir. Talento, treino, ambiente social, inteligência emocional, cultura. Sem confundir com uma necessidade de criação de barreiras (físicas ou psicológicas) ao jogo, porque a verdade do mesmo continua a ser semelhante. “Se tens os melhores jogadores é muito difícil não alcançar o objetivo”, refere numa recente entrevista ao El Correo. Daí que o desafio, hoje, não é tático ou estratégico. Ambos esses registos se inserem num território efémero que não decide jogos nem marca golos. O desafio é humano. Tal como no mundo fora das quatro linhas, a hierarquia bem organizada das equipas foi desafiada. No onze contra onze, o ser melhor é uma questão que se busca na sintonia do melhor do jogador, com o melhor do coletivo, para regressar ao jogador e se desenvolver para o coletivo, continuamente. Um melhor jogador faz uma melhor equipa. Uma melhor equipa faz um melhor jogador.
Um grande pianista para ser bom não precisa de andar a correr à volta do piano ou de fazer flexões em cima do piano. Para ser bom basta tocar piano
José Mourinho
Mas como num processo cada vez mais complexo de explicar algo que se quer simples se pode atingir etapas de rendimento máximo? Quem quiser confundir os termos vai dizer que se complica, que está à vista, que não precisa de reforço. Tantas vias abertas para se dizer quase nada. Julen Castellano reafirma um dos princípios básicos da humanidade, seja na arte, na finança, no operariado ou na agricultura. O conhecimento máximo é uma capacidade do inconsciente. “O futebolista precisa de jogar quase inconscientemente, porque o movimento é melhor quando não estás a pensar em mais coisas. [No entanto], o jogador está consciente de que é preciso treinar bem, rodear-se dos melhores profissionais, conhecer o jogo, conhecer os comportamentos que o aproximam do êxito, sendo consciente de que o futebol é complicado, é dinâmico, aberto, a sofrer influência de diferentes fatores”. Daí o desenho de modelos, a constituição de uma natureza que o coloque perante os desafios que irá enfrentar. A forma natural não é de aparências. O pianista pode não correr à volta do piano, mas se se limitar a tocar piano, pouco saberá da forma como cada um dos constituintes do mesmo se aciona perante o bater dos seus dedos nas teclas. E como precisamos de saber tudo para entender a nossa força no processo em que atuamos, talvez que uns passos em volta do piano nos levem para mais perto desse entendimento. Para depois, sim, tocar piano.
A agenda deste fim-de-semana traz três jogos de enorme interesse. Na sexta-feira, foco para a Bundesliga, com o FC Koln – Borussia Dortmund, um jogo cheio de história. Passa na Eleven Sports, onde estarei na companhia do João Gomes Dias, a partir das 19h30. Sábado, clássico português, para acompanhar na emissão mundial da Antena 1. Relato de Fernando Eurico e Nuno Matos, os meus comentários, reportagem de Paulo Vidal e Eduardo Gonçalves. O jogo começa às 19 horas. Para domingo, mais um jogo de João Félix em LaLiga. O Leganés recebe o Atlético de Madrid às 18 horas e eu estarei na Eleven Sports, com o António Botelho, para seguir a partida.