O conjunto famalicense mantém-se na luta pelos lugares europeus na Liga NOS e disputa as meias-finais da Taça de Portugal, com a primeira mão da eliminatória a jogar-se no Estádio da Luz. Para o clube recém-promovido ao principal escalão do futebol português vive-se uma época de sucesso. As razões do mesmo parecem assentar na forma como João Pedro Sousa colocou a identidade do grupo como base de uma construção forte e consistente. O primeiro trabalho do técnico assenta na perfeição na casa de campo que lhe foi exigida.
Um desafio sem paralelo
O desafio colocado a João Pedro Sousa com o FC Famalicão versão 2019/20 não tinha propriamente paralelo no futebol português. Um plantel construído quase de raiz, com um conjunto de jogadores cujo talento vinha sendo observado e anotado ao longo das últimas temporadas um pouco por toda a Europa.
Tal como Charles-Etienne Briseux, teórico da arquitetura do século XVIII, João Pedro procurou montar uma estrutura para responder às exigências que lhe foram feitas. A comodidade seria a base do modelo de jogo dos famalicenses, procurando encontrar princípios de conveniência (valorização individual dos jogadores e da equipa) e estabilidade (conjugando o objetivo da manutenção com o de alcançar uma evolução de resultados).
No terreno de jogo, o FC Famalicão procura, acima de tudo, manejar uma ideia de controlo espacial, buscando a partir do coletivo os princípios que lhe podem assegurar uma constância na aposta ao longo da temporada. Os resultados, é certo, comprovam o conseguimento destes objetivos, mas o que fica claro é que a criação de uma identidade e a gestão a partir do modelo preconizado permitem aos famalicenses continuar a lutar pelos lugares mais altos da tabela.
Ocupação do Espaço com bola
O ponto de partida do FC Famalicão, em posse, passa pela ocupação a toda a largura e comprimento do terreno de jogo. Com os dois centrais na base da estrutura e os laterais em apoio, conjugado com o médio mais recuado que, em situações de pressão, pode descer para o centro dos centrais, a equipa alinha a sua outra metade a procurar profundidade.
Rara é a bola que sai direta na frente, porque a simulação do ataque à profundidade tem como objetivo primordial a criação de espaço de movimento para os dois interiores receberem para a progressão. As movimentações dos dois interiores provocam a organização defensiva do adversário e, sobretudo em momentos de subida de pressão, podem encontrar chaves para ultrapassar linhas com a bola a circular, ora dentro, ora fora desse bloco.
Provocar o desconforto
O posicionamento no momento ofensivo deve conjugar-se, nas intenções do modelo de jogo, com o posicionamento no momento defensivo. A tal comodidade acima apontada, conveniência e estabilidade, onde a equipa de João Pedro Sousa se mantém. Tendencialmente organizados com duas linhas de quatro e um elemento na frente delas, o Famalicão procura subir o bloco para pressionar o adversário e provocar o desconforto ao elemento com bola. Assim, com o avançando centro a executar uma primeira pressão, solta-se uma peça da primeira linha de quatro para encurtar espaços de progressão.
A equipa mantém uma atitude de predomínio territorial no campo de jogo, aproximando elementos na linha mais recuada, permitindo a aproximação das linhas dentro do bloco e expelindo a progressão adversária para os flancos. Esta organização dos famalicenses tende a criar bastantes problemas aos seus rivais que, como já disse João Pedro Sousa, vão cada vez mais reconhecendo melhor aquela que é a identidade de jogo da sua equipa. Neste último fim-de-semana, o Rio Ave cresceu na exploração da largura do campo, conseguindo por vezes encontrar espaços de penetração a partir da faixa, criando aí dificuldades defensivas para o Famalicão.
Interligação e transição
Um bom exemplo de interligação entre os momentos do jogo aconteceu, este passado fim-de-semana, no lance do primeiro golo frente ao Rio Ave. O bloco famalicense minimizou-se para um quarto de terreno de jogo com o objetivo de fechar a colocação de bola em jogo após um lançamento de linha lateral. A proximidade e a consequente pressão permitiram o aproveitamento do erro de passe do jogador adversário.
A partir da recuperação, uma vez a consciência dos espaços se revela no conjunto de João Pedro Sousa. Progressão à procura de largura, ocupação de corredores e variação do controlo da bola nos mesmos até servir Toni Martínez nas costas da defensiva adversária.
Aqui podes ver o vídeo deste lance.
As linhas do construtor
João Pedro Sousa faz, no FC Famalicão, a sua primeira temporada como treinador principal ao mais alto nível, depois de parte da carreira como adjunto de Marco Silva. A avaliação do seu trabalho poderá ser feita, com outra propriedade, no final da temporada, mas a meio dela, denota sinais de consistência que são apreciáveis e já colaboram para se entender que o desafio que lhe foi colocado será superado.
A manutenção já não está em causa e, apesar de uma eliminação precoce na Taça da Liga, começa hoje a discutir as meias-finais da Taça de Portugal, um resultado histórico para o clube. Em termos individuais, é notório que um conjunto de jogadores do plantel estão a ser valorizados, como demonstra a chamada de Nehuén Pérez para a seleção argentina. Será factual vermos alguns destes jogadores serem disputados no próximo mercado de transferências.
Mas o que permite toda esta sensação de sucesso é a estabilidade de um modelo que, mesmo quando algumas peças têm que ser substituídas, por lesão, suspensão ou serviço de seleção, a face do Famalicão se mantém a mesma. A união de resultados com identidade fazem-nos entender que João Pedro Sousa já apresenta mestria na construção de casas de campo. O próximo desafio terá, certamente, outro tipo de exigências.