Poderá dizer-se que é nos jogos do Campeonato Nacional da 1ª Divisão de Seniores Masculinos que podemos recolher um retrato fiel daquilo que é a arbitragem a nível nacional. Pelos jogos desta competição passam desde árbitros internacionais até jovens em início de carreira. Assim poderá fazer-se uma análise do estado da arbitragem em Portugal.
O primeiro dado a analisar é a questão das diferenças de níveis na arbitragem. Ao contrário do que, por vezes, os adeptos podem pensar, ao olhar para o jogo do ponto de vista clubístico, existe uma ENORME diferença entre os nossos melhores árbitros, genericamente, aqueles que detém o estatuto de internacionais, e aqueles que estão na 2ª categoria nacional. Essa diferença nota-se em dois pontos. Primeiro, na segurança e profissionalismo com que abordam os jogos e as decisões requeridas por cada situação. Segundo, o bom conhecimento do jogo e dos jogadores. Não será só a experiência acumulada ao longo dos anos a permitir isto, mas a conjugação do seu talento com o trabalho que desenvolveram para atingir o seu nível.
A 2ª Categoria e os Potenciais Talentos
A generalidade dos encontros são, no entanto, arbitrados por elementos do quadro da 2ª Categoria Nacional e Potenciais Talentos da Arbitragem. Ao disputar encontros em várias zonas do país, é bom perceber que, quanto maior é a competição disponível para que um árbitro desenvolva as suas capacidades, melhor pode ser o seu trabalho. Para evitar essas diferenças, seria necessário que existisse um maior campo de recrutamento, algo que já há dois anos Rui Valente chamava a atenção em entrevista ao Planeta Basket, bem como uma maior promoção da mobilidade dos árbitros por diferentes zonas do país. No entanto, as limitações económicas do nosso basquetebol não estarão, neste momento, do lado daqueles que procuram uma melhoria destas questões.
Entre árbitros que estão na 2ª Categoria e os Potenciais Talentos, a maior diferença estará nas ambições que cada um deles coloca no seu trabalho. Se os árbitros mais jovens estão numa fase da sua formação em que acreditam ser possível alcançar os mais altos níveis na sua carreira, quem já abandonou essas esperanças nem sempre tem a capacidade de abordar o jogo da melhor forma. Mas existem várias condicionantes para que isso aconteça. Na verdade, que disponibilidade mental poderá ter um árbitro para apitar um jogo de Seniores Masculinos numa noite de sábado, quando durante a tarde já se viu obrigado a apitar outros dois jogos de formação? Há um esgotamento das disponibilidades dos árbitros que temos nos nossos atuais quadros e seria preciso ter isso em conta.
Entre os mais jovens, é de assinalar o bom nível que a generalidade dos árbitros demonstrou ao longo da temporada, augurando-se a possibilidade de, na nova geração, podermos contar com árbitros de referência a manter o nome de Portugal presente nas maiores competições do basquetebol nacional e internacional.
(Nota: Chama-me a atenção o João Lampreia para o facto de, em vários jogos, só estarem presentes árbitros dos quadros regionais e não nacionais. De facto, na minha experiência com o Belenenses, este ano, os árbitros regionais que apitaram os nossos encontros estavam, quase todos, associados ao programa de “Potenciais Talentos”. Daí a minha omissão aos Árbitros Regionais neste artigo).
Uma proposta para a arbitragem no Campeonato Nacional da 1ª Divisão 2014/15
Partindo da proposta de novo quadro competitivo que apresentei, propunha-se que, numa primeira fase da competição onde existem várias jornadas duplas, pudesse existir também um intercâmbio de árbitros, permitindo a sua mobilidade dentro do país. Assim, imaginemos que uma dupla de arbitragem oriunda de Vila Real pudesse deslocar-se para uma jornada dupla em Lisboa, apitando jogos em dias consecutivos e reduzindo assim os custos associados a esta nomeação.
Na segunda fase, deveriam ser promovidas diferentes jornadas em que os árbitros do programa de Potencial Talento pudessem fazer dupla com árbitros internacionais. Esta conjugação permitiria aos árbitros mais jovens a experiência de partilha de campo com um elemento bastante mais experiente, com os consequentes ganhos em termos de tomada de decisão.
Finalmente, na terceira fase e Final Four, os jogos teriam que ter, obrigatoriamente, como Árbitro Principal, um elemento do quadro de 1ª Categoria, premiando-se, nessa fase, os árbitros que tivessem tido, durante as anteriores fases de competição, as melhores notas nas partidas disputadas.
A questão das observações e da promoção da comunidade basquetebolística é outro dos pontos a ter em consideração. Com várias equipas a filmarem, já, os seus encontros, deveriam ser promovidos encontros regulares entre árbitros e treinadores para análise dos respetivos filmes da partida, numa partilha de experiências que deveria cimentar o conhecimento das regras pela parte dos técnicos e o conhecimento das opções técnicas e táticas da parte do árbitro. É de notar que um árbitro, pela especificidade da sua tarefa, deve ser um profundo conhecedor do jogo de basquetebol e a discussão de ideias e situações com os treinadores permitiria um aumento da qualidade das suas decisões.
A discussão
Olha-se a arbitragem com excessiva desconfiança e as relações entre árbitros, jogadores e treinadores nem sempre acabam por ser as mais salutares por cada um destes entrar nas partidas na defensiva. Uma discussão franca e aberta da arbitragem permitirá aprofundar a comunidade do nosso basquetebol e passar a olhar cada um dos seus intervenientes como um participante ativo da melhoria da modalidade.
Não nos devemos esquecer que um árbitro é um ex-praticante e um apaixonado da modalidade que se coloca na posição mais ingrata do jogo: aquela onde o erro é sempre mais caro. Com o nível da arbitragem no Campeonato Nacional da 1ª Divisão a ser satisfatório, fica a certeza que a adoção de alguns dos princípios aqui propostos poderá acabar por elevar, no global, o basquetebol que vemos, praticamos e arbitramos no nosso país.