Do futebol de rua ao desenho de avenidas para o futebol

A teoria constrói-se sempre a partir da observação e análise da prática. Wissam Ben Yedder, actual jogador do Sevilla é, ao mais alto nível de rendimento, um exemplo que nos ajuda a reflectir sobre o desenho de currículos de formação. Dá-se o caso deste jogador, profissional há sete anos, no Toulouse e agora na Liga Espanhola, não ter frequentado nenhum centro de formação e ser, inclusive, internacional A francês na modalidade de futsal. A sua entrevista à France Football (14/02/2017) dá-nos pistas para entender a sua forma de viver o jogo.

O jogador muda o treinador

Quando um jogador é forte e tem um estilo, isso mantém-se. Digo sempre que é o jogador quem muda o treinador, não o inverso.

Wissam Ben Yedder nunca esteve num centro de formação e considera que isso terá sido “tempo perdido”. Apesar de ser um dos exemplos de sucesso do futebol de rua até ao plano profissional, com o seu estilo de jogo “irascível, agressivo”, Ben Yedder reconhece que sendo hoje um jogador menos formatado, teria sido melhor ter entrado mais cedo numa via profissionalizante do jogo.

O choque deu-se quando assinou pelo Toulouse e entrou, pela primeira vez, num balneário profissional. “Vi pela primeira vez que ali não se brincava”, pela forma como os seus colegas estavam desenvolvidos no plano atlético e ele era “apenas um pequeno jogador de bairro”. Para além disso, a disciplina necessária para ouvir e entender as indicações do treinador – “eu não dava ouvidos a ninguém” -, para cumprir horários e para reconhecer os tempos necessários de recuperação foram ferramentas que, segundo ele, levaram cerca de um ano para serem assimiladas.

As vantagens do futebol de rua em comparação com as escolas/centros de formação são, como se pode comprovar na literatura sobre este tema, assumidas sempre como um grau de risco que as equipas inseridas numa via profissionalizante do jogo preferem não correr. Para salvar o jovem que, pleno de talento precoce, não encontra o contexto social ideal para o desenvolver, acabamos por formatar em demasia todos aqueles que entram na carreira do futebol.

No entanto, como Ben Yedder defende, é o jogador quem joga o jogo e, como consequência, é também o jogador que muda o treinador. Esta afirmação tem o peso de definir o talento e as capacidades do jogador como o elemento diferenciador para o sucesso. Aquilo que Ben Yedder nos está a confessar é que, quem tiver que chegar lá acima, acabará por o fazer, porque são as suas características, independentemente do caminho, que lhe abrirão as portas. O avançado francês acredita que não existem obras-primas ignoradas em gavetas.

Futsal e a experiência dos jogos reduzidos

É necessário gerir bem aquilo que estamos a fazer e descodificar, desde logo, a situação seguinte, porque vamos dispor apenas de uma fracção de segundo para realizar o que decidimos fazer.

Não tendo estado num centro de formação, Wissam Ben Yedder entrou, aos 14 anos, numa equipa de Futsal. Define esse jogo como “muito rápido, onde se joga muito com a sola, para controlar e conduzir a bola”. Acresce que é um jogo “muito tático, onde há muitas combinações e criação de espaços para os colegas”. Ou seja, Ben Yedder acabou por encontrar por uma outra via toda a experiência dos jogos reduzidos que revolucionaram o treino e o tornaram mais próximo de uma realidade de jogo de alta exigência.

No que toca a características do seu jogo, Ben Yedder reconhece ter sido no Futsal que desenvolveu a “precisão de remate, devido ao tamanho da baliza”, a agilidade e a coordenação motora “porque estamos num espaço reduzido onde temos que fazer tudo depressa” e ainda o jogo de costas para a baliza, “conquistando a posição perante o defesa, bloqueando a bola, utilizando o corpo para nos libertarmos da marcação”.

Será que ao ter passado pelo Futsal, Ben Yedder acabou por viver numa simulação, menos organizada, mas mais natural, mais intuitiva, da carga técnica e tática a que seria exposto num centro de formação? A construção de currículos alternativos passará, sem dúvida alguma, pelo reconhecimento de exemplos como este.

A exigência que se faz ao centro de formação é, não que formate o jogador, mas que o coloque, sempre, no centro do processo de desenvolvimento. Reconhecendo as suas características técnicas, educando o seu conhecimento tático do jogo e impondo a disciplina como um meio de melhorar aquilo que este pode fazer e não como meio de se assimilar a uma vontade do treinador. Passa também por reconhecer que o jovem atleta em formação não é um atleta profissional, mas sim uma criança/adolescente/jovem adulto que está a fazer o seu caminho para vir a ser um atleta profissional. Assim, cada etapa, deve ser reconhecida, respeitada e trabalhada de forma diferenciada.

Numa época em que se fecharam as ruas para a prática selvagem do futebol, é preciso saber recriar ambientes para não perdermos o perfume do futebol pelo qual nos apaixonámos.

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