O lado científico da garra – o exemplo de Sérgio Conceição

A olho nu, continuará a dizer-se que a grande diferença que Sérgio Conceição veio impôr à equipa do Futebol Clube do Porto foi a atitude, esse misto de garra na disputa dos encontros com a crença, do técnico, de que todos os jogadores merecem a sua oportunidade.

No entanto, o que Sérgio Conceição vem denunciando na forma de jogar da sua equipa, é uma atenção ao detalhe que vai permitindo que cada jogador, exacerbando as suas características individuais, se transforme em prol do colectivo.

A descrição da semana de trabalho do Futebol Clube do Porto feita no Jornal O Jogo pelo jornalista António M. Soares merece ficar guardada para memória futura. Porque acaba por explicar, ao pormenor, aquilo que caracteriza o trabalho deste técnico e que, no fundo, lhe dá vantagem na tabela classificativa.

A noção de trabalho individual numa modalidade colectiva é fundamental no actual momento de evolução do trabalho de rendimento. Não na antiga lógica da “forma física”, mas no reconhecimento do atleta como peça central do funcionamento dinâmico de uma equipa.

Esse trabalho individual inclui horas de análise de vídeo e de dados estatísticos de jogos e treinos, quer ao nível das acções, quer ao nível do comportamento físico e mental dos jogadores, para se criar um entendimento do jogador como um todo e dos momentos que podem ser trabalhados.

A evolução do atleta como indivíduo vai transformá-lo, ao longo do processo de treino, numa parte cada vez mais importante do colectivo, permitindo-lhe a adaptação ao todo enquanto adquire novas capacidades.

Nada é um acaso nesta equipa do Futebol Clube do Porto, que continua a trabalhar contra as limitações impostas pelo plantel à sua disposição – limitações, essas, que vêm crescendo com as lesões sentidas nas últimas semanas. Porque a atitude e a garra que a equipa coloca em campo se treina, exactamente, na forma pormenorizada como o treinador conhece a equipa e cada uma das suas partes.

Sérgio Conceição e a sua equipa técnica planearam um trabalho diferente e, na impossibilidade de poder abordar a vertente coletiva, têm concentrado o trabalho dos últimos dias no treino individual e específico.

Estamos a falar, por exemplo, de movimentações individuais, ocupação dos espaços, colocação em campo, bolas paradas e trabalho de ginásio para colmatar lacunas identificadas. Foram algumas das vertentes do esquema delineado, apoiado, quando necessário, numa compilação de vídeos elaborada pelo adjunto Dembélé, com situações práticas através das quais se procura mostrar os erros detetados aos jogadores e a forma como estes os podem corrigir.

O trabalho dos últimos dias foi orientado para os sectores e as funções individuais dos jogadores. No caso prático de um lateral, por exemplo, o objectivo passou por melhorar a colocação em campo e a ocupação de espaços no momento defensivo, para uma melhor reacção na recuperação da bola, com imagens daquilo que se pretendia. No momento ofensivo, por exemplo, procurou afinar-se as compensações defensivas para evitar desequilíbrios, conforme esta seja feita por um médio ou um defesa. Com o lateral no último terço, a profundidade e capacidade de aproveitamento da largura do campo foram aspetos revistos.

Aliás, no sector ofensivo, boa parte da abordagem de Sérgio Conceição passou por trabalhar precisamente os espaços na largura e na profundidade, de modo, por exemplo, a criar espaços internos no bloco defensivo do adversário e obrigá-lo a abrir o seu posicionamento. Num segundo tempo, os médios puderam rever a forma como melhor conseguem explorar esses mesmos espaços internos, com a abertura de linhas de passe laterais, em profundidade ou mais recuadas, para retirar a bola de zonas de pressão, sem deixar de a conservar.

Noutra vertente ainda, a equipa técnica procurou perceber as razões que levam um avançado a não render o esperado em determinada situação, analisando a sua colocação em campo, ou a movimentação na abordagem de determinado lance, repetindo exercícios para corrigir a situação. Privado de Soares e Marega, lesionados, e de Aboubakar, por se encontrar ao serviço da seleção, os últimos dias foram aproveitados para moldar Galeno e André Pereira, avançados da equipa B que vêm treinando com a equipa principal.

António M. Soares, Jornal O Jogo, 15 de novembro de 2017.

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