O Mundial 2018 terá uma grande novidade para a análise do jogo, com a permissão da parte da FIFA para que analistas e técnicos no banco possam comunicar e partilhar informações, permitindo a utilização em tempo real dos dados recolhidos pelos analistas. Uma mudança tecnológica que poderá ter maior influência no jogo que o VAR.
A presença da tecnologia na nossa sociedade tem conduzido ao crescimento do número de ferramentas que podem ser utilizadas no desporto, ao nível da saúde, da análise do jogo e da tomada de decisão em todos os campos. Ao longo da última década, com a evolução das ferramentas de análise e da transmissão dos dados, começava a impor-se a necessidade de este conhecimento poder ser utilizado em tempo real pelas equipas técnicas. Aquilo que a FIFA permite, a partir do próximo Mundial, é que isso seja realizado de forma oficial.
Um histórico de contribuição
A análise do jogo reporta-se ao estudo da competição, de modo a quantificar e qualificar a efetividade das suas ações, em todos os seus domínios, salientando os factos e comportamentos relevantes que contribuem para o seu rendimento, identificando e caracterizando as suas tendências evolutivas e servindo como um verdadeiro instrumento de controlo e avaliação da prestação dos jogadores e das equipas.
Sérgio Vieira (2010), a partir de Castelo, Wizos, Dufour, Queiroz, Gowan, Mombaerts, Oliveira, Moutinho, Claudino, Grehaigne.
A introdução de princípios científicos no estudo do jogo sempre foi uma ambição de equipas técnicas que conseguiram, olhando para fora dos limites do terreno de jogo, encontrar respostas para as dúvidas que nascem da prática. Como podemos entender pela citação de Sérgio Vieira, há oito anos atrás, olhava-se a análise do jogo como um instrumento de controlo e avaliação.
A ideia da análise acontecer para lá do tempo do jogo era condicionada pelo acesso à tecnologia. De uma forma não científica, análise de jogo é aquilo que os treinadores e os seus assistentes fazem (e sempre fizeram), durante o encontro, a partir do banco. Mas, sem acesso a um posicionamento ideal em relação ao terreno de jogo, tocados pelas emoções da competição, os dados que podem agrupar e a maneiras para os analisar são limitadas e nem sempre fiáveis.
Compreendendo isso mesmo, a grande maioria dos treinadores procurou ter quem, fora da área técnica, pudesse ver e pensar o jogo, analisá-lo, filmá-lo, decompondo todos os elementos para que, no momento de preparação de um encontro seguinte, fosse possível identificar tendências e trabalhar a partir desse conhecimento adquirido.
O reconhecimento das limitações é o primeiro passo para o sucesso
Apenas é possível obter uma informação fidedigna sobre a avaliação completa dos futebolistas com a aplicação de todos os métodos.
Godik e Popov
Um dos grandes medos associados à evolução da análise, sobretudo na sua vertente mais tecnológica, é a forma como coloca em causa verdades adquiridas que, nos nossos dias, precisam de passar nos testes de fiabilidade. A intuição, o saber ver, o sentir, que sempre fizeram parte do léxico do jogo, precisam agora de ter dados suficientes para poder fazer sentido.
É inegável que há um lado intuitivo na gestão de equipas de humanos que procuram, dentro de um terreno de jogo onde o objetivo é colocar um objeto como uma bola, que salta de forma não previsível, dentro de uma baliza. Mas a questão, na análise, é que esta nunca pretendeu nem explicar totalmente, nem determinar o que acontece no jogo, mas sim encontrar formas de intervir nele de forma a que todas as decisões possam partir de uma posição o mais informada possível.
Não creio que as opções de introdução de análise tecnológica no jogo retirem espaço aos atletas. Na grande maioria dos casos, são os próprios atletas que, hoje, devido ao tempo em que cresceram, sentem a necessidade desse apoio às suas ações. Por outro lado, um maior conhecimento não implica uma limitação da intuição, mas uma exata potenciação dessa intuição e das possibilidades daquilo que se pode vir a fazer em campo. É mais uma ferramenta, não é um par de algemas.
O desafio ao conhecimento
A conclusão a que cheguei é que quanto mais conhecimento tenho, mais imaginação utilizo.
Manuel Cajuda
Com a permissão de contacto e diálogo entre os assistentes técnicos no banco e os analistas que acompanham o jogo na bancada ou nos laboratórios de cada clube, o desafio que se impõe ao treinador é cada vez maior. O seu papel de tomada de decisão tem, agora, acesso a uma informação bastante mais lata, sendo que o seu desempenho passará, sobretudo, pela capacidade de seleção dessa informação e atuação na forma como a transmite para a sua equipa.
O treinador não tem maior controlo sobre a situação, a meu ver, acabando até por, perante esta evolução, poder haver alguns treinadores que percam o controlo da situação. O desafio é enorme. Estamos a falar de ferramentas que permitem entender o que o olho não vê, mas que impõe uma enorme carga de pressão e ansiedade para quem está, no momento competitivo, entre a informação e o executor.
O que a medida da FIFA vem confirmar é um passo decisivo para o reconhecimento para o enorme trabalho realizado pelos clubes e seleções, internamente, trabalho este que tem tido um impacto enorme na forma de se jogar e pensar o jogo, mas que demora a chegar a quem comunica ou quem assiste aos jogos. Retirar a análise debaixo do pano é a melhor forma de incluir um saber científico e ponderado na forma como vemos futebol.