Jogar com armas próprias: a lição de Abel Braga

Pouca gente daria crédito ao Fluminense nesta temporada, até mesmo internamente, onde Abel Braga parece estar longe de ter o lugar garantido num ambiente sempre quente do entra e sai de treinadores no futebol brasileiro. Mas ao vencer o Atlético Paranaense neste domingo, Abel Braga mostrou uma das lições mais antigas do futebol: para vencer, há que utilizar as armas que se tem.

A equipa do Fluminense aproveitou bem o facto do Atlético Paranaense vir de uma série de derrotas consecutivas onde, muito provavelmente, se deveria valorizar muito mais a conjugação de observações que os vários adversários vão fazendo do seu jogo. É um tema, creio eu, poucas vezes explorado. As ideias de uma equipa, em determinado campeonato, não respondem apenas ao contexto competitivo e ao enquadramento do talento existente, mas sobretudo à experiência adquirida que a sucessão de jornadas vai permitindo a cada conjunto. Abel Braga, na conferência de imprensa após o jogo, foi claro sobre o assunto.

Uso a palavra da moda, fomos cirúrgicos, além dos dois gols, tivemos mais quatro, cinco contra-ataques, que se tivéssemos caprichado teríamos feito mais gols. Falei: “Deixa eles virem perder a bola, que a gente contra-ataca”. […] Mostrei a eles pelo vídeo que não adiantava ir em cima deles. Passaria o jogo contra o Cruzeiro em casa, mas passei do Palmeiras. Situações bem parecidas, na perda de bola eles serem contra-atacados. Segundo volante do Palmeiras fez dois gols e o outro foi do Marcos Rocha. Bruno Henrique carregou a bola o campo todo. Além disso, passamos números bem interessantes para eles, do que têm sido Atlético no primeiro e no segundo tempo.

Abel Braga

Primeiro, Abel Braga definiu o conceito para enfrentar o jogo. Recuar o seu bloco é uma característica natural do Fluminense, mas não só na perspetiva defensiva, sobretudo no entendimento que tem de onde e em que enquadramento pretende começar a atacar. Ao posicionar-se assim, nos momentos sem bola, a equipa do Fluminense começou a criar os espaços que pretendeu explorar na transição. Desta maneira, a equipa parecia ter, sem bola, muito maior controlo dos acontecimentos do jogo.

Segundo, a experiência acumulada por diferentes adversários permitiu a Abel Braga demonstrar aos seus jogadores como atuar neste encontro. É a melhor forma de trazer os seus jogadores para a ideia que se tem: com exemplos, claros, de como se pode ter sucesso ao adquirir determinado comportamento. Será o maior desafio às ideias de Fernando Diniz neste momento da temporada, o entender como reagir, não só no seu processo, próprio, de crescimento, mas sobretudo no ambiente coletivo de acumulação de conhecimento entre as várias equipas.

Reagir ainda é uma forma de agir

O detalhe que passa despercebido por quem olha os números e interpreta como domínio do time visitante é que a proposta de negar espaços e aproveitar os cedidos pelo oponente visa dificultar as finalizações “limpas”. Com liberdade. E usar a velocidade na transição ofensiva para criar as chances cristalinas.

E nisto o Flu foi preciso, até pelo maior tempo de trabalho. Um 5-4-1 organizado, com linhas próximas e estreitando a marcação no setor em que estava a bola. Alternando marcação no próprio campo com a adiantada para dificultar a construção da equipe de Diniz desde a defesa.

André Rocha

Uma das grandes críticas às equipas reativas é a sua ausência de pensamento próprio, por haver momentos do jogo em que será necessário que tomem a iniciativa e passem de ser equipas reativas para equipas ativas. Ora, a reação é, ainda, uma forma de ação. O modelo de jogo de Abel Braga é bastante consistente, porque as funções que são pedidas aos seus jogadores não se transfiguram de semana para semana, seguem um padrão trabalhado.

Por outro lado, as qualidades que a equipa detém são claramente comprovadas nos jogos em que conseguem manipular o contexto a seu favor. Será que o Fluminense foi uma equipa de reação por baixar o seu bloco ou foi essa mesma intenção que acabou a propiciar os espaços necessários para vencer e, eventualmente, ainda poder ter marcado mais uma série de golos?

É neste quadro de complexidade que o futebol se continua a desenvolver. É numa situação de constante necessidade de afirmação de decisões que, para encontrarem o sucesso, precisam de um trabalho padronizado e de um processo de evolução delineado pela equipa técnica. O que importa, aqui, definir, é que o modelo e as ideias são, elas próprias, a iniciativa que a equipa pode ter. Independentemente de ter ou não a bola. Independentemente da forma como espera poder dominar o adversário. Independentemente do acolhimento que esta, ou aquela, ideia, possam ter.

E é por isso que continuamos a apreciá-lo sem nunca sermos capazes de o fechar dentro de uma definição só.


Palavras de Abel Braga retiradas de publicação da Globoesporte.

Artigo de André Rocha disponibilizado na UOL Esporte.

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