O equilíbrio na terra da fragilidade

Nada é mais sensível e, por isso mesmo, frágil, do que um jogo como o futebol, aleatório, complexo e contraditório na sua natureza. Da ideia do treinador à sua operacionalização, em treino e jogo, à tradução que cada jogador faz dessa mesma ideia para dentro do terreno de jogo, a precariedade é um elemento comum. Qualquer treinador de topo assumirá como raros os momentos em que a sua equipa atinge, durante 90 minutos, o sucesso na interpretação da sua ideia, da mesma forma que qualquer jogador, imbuído na azáfama da luta, em campo, contra o seu opositor, verá a maioria das suas performances como o máximo que esteve ao seu alcance fazer.

É nesse território de fragilidade que Sporting e FC Porto se encontrarão, amanhã, no Estádio José Alvalade. Este reconhecimento só nos é possível, a meu ver, com o crescimento da discussão em torno do jogo que a chegada de um técnico como Marcel Keizer proporcionou. A sua origem, em termos de escola e pensamento, reclama por si só uma pertença a uma prática que, como todos podemos assumir, necessita de tempo para se processar em identidade de uma equipa. Em teoria, essa identidade está definida (mesmo que a precariedade de rendimento já tenha levado o próprio técnico a colocar-se em causa, como na segunda parte do encontro em Tondela), mas o caminho para a prática necessita de uma maior base de observação para ser entendida.

É uma arte em si mesma, compor um onze encontrando o equilíbrio entre jogadores criativos e aqueles que têm poderes destrutivos e entre defesa, construção e ataque – nunca esquecendo a qualidade da oposição e as pressões específicas de cada jogo

Rinus Michaels

Pela frente, tem um treinador que já teve tempo e percurso para entender as consequências das suas escolhas, propor novas leituras como solução e avaliar o potencial sucesso dessas propostas. Sérgio Conceição deverá ser o treinador que, nos últimos anos em Portugal, melhor comprova a ideia de adaptação ao contexto que implica a liderança de um grupo com a responsabilidade de ganhar sempre na Liga Portuguesa e ser muito competitivo nas competições europeias em que participa. As suas soluções têm-lhe permitido, acima de tudo, lidar de forma mais equilibrada com o risco que a sua proposta inicial transpunha para o momento competitivo. E mesmo que viva um período de alargado sucesso, traduzido numa sucessão de vitórias, também é observável que a capacidade de domínio do FC Porto se tem feito, em muitos casos, sem afastar a ideia de precariedade nos termos globais do rendimento de jogo.

O modelo de jogo é tudo porque engloba a ideia de jogo mais as suas circunstâncias.

Vítor Frade

Pode, ainda assim, falar-se de um confronto de estilos no jogo de Alvalade? Por muito atraente que essa ideia possa parecer, creio que não será tanto pelo estilo, mas pelo contexto de cada equipa, que este confronto se poderá definir. Ajudando a entender as opções de Marcel Keizer num contexto de jogo de enorme responsabilidade competitiva, pelo adversário e pelo momento na Liga, percebendo também a forma como Sérgio Conceição espera ultrapassar os desafios lançados por um adversário que, até agora, tende sempre a entrar em jogo de forma algo permissiva perante os seus adversários (em quatro dos seis jogos realizados na Liga NOS, sob o comando do técnico holandês, o Sporting sofreu primeiro). O teste parece realmente focar-se na questão da adaptabilidade de cada técnico – e da forma como essa se conjuga no entendimento dos seus jogadores – com a equipa do FC Porto a ter mais armas (no talento e na diversidade) do que o Sporting. Mas isso, no equilíbrio frágil que se torna ainda mais frágil quando se fala de clássicos, é algo que as circunstâncias poderão ajudar a ultrapassar.

Este fim-de-semana vou estar a comentar o encontro entre Sporting e FC Porto na Antena 1, com o relato de Alexandre Afonso e Paulo Sérgio e a reportagem de Eduardo Gonçalves e Nuno Perlouro. Uma grande emissão da rádio pública nacional com início marcado para as 15 horas deste sábado. Ainda no sábado ficará em acesso livre o meu artigo “A universalidade do talento: questões de identidade no clássico Sporting – FC Porto” publicado no Expresso Diário.

Domingo, às 19h45, encontram-me na Eleven Sports para os comentários de LaLiga, com o Real Bétis a receber o Real Madrid, na companhia do Pedro Filipe Maia. Sem esquecer, às 15 horas, o grande dérbi do Oeste, entre Torreense e Caldas, para seguir junto à relva no Estádio Manuel Marques. Bons jogos!

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