Terminada a fase de grupos da CAN 2019, analisamos as tendências, as equipas, os jogadores e os dados mais relevantes da competição. O momento da decisão está prestes a começar.
A primeira edição da Taça das Nações Africanas com 24 participantes fecha a sua fase de grupos com sinais claros de sucesso por esta opção. Se o aumento do número de países envolvidos traz sempre consigo a dúvida sobre a competitividade de certas seleções, na verdade, o envolvimento de mais países é um sinal claro de que a evolução do jogo se faz, em boa parte, pela sua participação em momentos competitivos como este.
Uma das tendências desta fase de grupos liga-se adequadamente com este ponto. A qualidade das equipas em organização defensiva é um sinal de evolução do jogo, podendo perceber-se como o futebol tem vindo a mudar de forma profunda no que toca ao conhecimento da organização coletiva do mesmo. Num processo global de entendimento do jogo, a CAN apresenta-se como um bom exemplo de que a qualidade individual não define os limites da qualidade coletiva.
Não existem, no entanto, sinais claros de que essa evolução se faça a partir de um processo de reflexão interno ao futebol africano, mas por contaminação. Entre os doze primeiros classificados desta fase de grupos, apenas quatro selecionadores são naturais do continente africano, com um deles, Aliou Cissé, a mudar-se para França com apenas nove anos. O franco-argelino Djemal Belmadi alargaria o lote para 5 africanos, contra sete europeus e um mexicano. Alargando o foco para os quatro terceiros classificados que seguem em prova, apenas mais um africano, Florent Ibengé, aparece na lista. A formação de treinadores no continente é ainda um processo em carência, chocando com dificuldades estruturais de base. Mas os sinais positivos ficam.
Associado à organização coletiva sente-se que, no relvado, as equipas dependem hoje muito menos das suas principais figuras para fazer a diferença. Em termos de jogo jogado, os processos coletivos crescem a olhos vistos. Mas há ainda a questão da liderança interna dos grupos, da pressão dos adeptos, onde, aí sim, a ideia do “craque” ainda parece vingar. As notícias de assédio à família de Naby Keita por este ter feito uma CAN singela e decidido abandonar a equipa, devido a clara limitação física e lesão, são uma nefasta consequência desta ideia. O trabalho de reflexão interna no futebol africano continua à espera de ser aprofundado, com as questões associadas ao treino, à expressão cultural do jogo e às dinâmicas sociais internas à competição ao mais alto nível a necessitarem de foco.
Uma nota, ainda, para as condições em que esta CAN está a ser disputada. A qualidade dos relvados tem aguentado um clima agressivo, com muito calor a deixar marca, sobretudo, nos jogos disputados ao início da tarde. As situações relativas aos campos de treino foram resolvidas com a devida celeridade e os problemas associados ao pagamento de prémios acabaram por ter pouca expressão na competição (quatro equipas em vinte e quatro revelaram publicamente situações problemáticas). A questão do público vai muito para lá da organização. Não há uma cultura do espetador no futebol africano, nem as possibilidades de deslocação permitem a viagem a grandes massas entre países participantes. A tendência de estádios cheios nos jogos da equipa da casa e estádios vazios nos restantes encontros é observável ao longo de toda a história da prova.
Argélia como o parente forte da fase de grupos
A seleção argelina apresentou-se como o conjunto mais forte da fase de grupos. Partilhando o melhor ataque com o Mali, com seis golos marcados, não sofreu qualquer tento nos três jogos disputados. A capacidade defensiva da equipa de Djemal Belmadi merece especial nota, com uma ideia de pressão coletiva sobre o homem com bola que criou imensas dificuldades ao seu adversário, sendo de especial nota o confronto com o Senegal, visto como equipa favorita à vitória no grupo no antevisão da competição.
No entanto, brilhar na fase de grupos apenas em parte nos assegura alguma ideia mais consistente sobre o que esperar dos encontros a eliminar. Egito e Marrocos também passaram nos seus grupos com três vitórias e sem golos sofridos, podendo até atribuir o menor brilho exibicional às expetativas criadas à sua volta. A competência dos dois conjuntos poderá permitir-lhes uma caminhada consistente na fase que se segue, ligeiramente acima de conjuntos como o Senegal, o Mali ou os Camarões (surpreendentemente segundos classificados a gerir um empate frente ao Benim, que satisfazia a equipa dos Esquilos, mas que acabou por retirar a vantagem aos Leões Indomáveis perante o Gana).
Numa terceira linha, surgem ainda conjuntos que demonstraram algumas fragilidades, mas que podem entrar neste momento de decisão com dados concretos para atacar uma boa prestação. O Gana sentiu dificuldades a disputar quase toda a segunda parte com 10 elementos frente ao Benim, mas reúne um conjunto de jogadores que podem fazer a diferença a partir daqui, o mesmo podendo aplicar-se à Nigéria que acabou por perder com Madagáscar num jogo onde já tinha garantindo o apuramento. O caso mais intrigante dos 16 conjuntos em prova é a República Democrática do Congo. Depois de dois jogos sem marcar e perdendo com Egito e Uganda, a vitória frente ao Zimbabué acabou por lhes permitir a passagem aos oitavos-de-final. A equipa de Florent Ibengé acaba como o conjunto com melhores dados de xG (5.9) e com várias opções ofensivas de nível muito alto.
No quadro das revelações, a seleção do Uganda acaba por ser das equipas a merecer maior destaque. Olhando para a forma de atuar em 2017, a entrada do técnico francês Sébastien Desabre, com larga experiência no futebol africano, parece ter feito toda a diferença para explorar a capacidade criativa dos jogadores dos “Cranes”. Na sua única derrota, frente ao Egito, o conjunto ugandês deixou bem expressas as suas qualidades e vendeu cara a derrota. O estreante a alcançar melhor resultado foi o Madagáscar, vencendo de forma quase inacreditável o seu grupo. A larga experiência dos seus jogadores em divisões secundárias do futebol francês conferem-lhe uma atitude muito realista na aproximação aos jogos. A capacidade de não querer ir além das suas características parece um salvo-conduto para o sucesso nesta prova. A mesma que o Benim acabou por evidenciar para alcançar o apuramento como um dos melhores terceiros e merecer o destaque neste grupo, apesar de não ter vencido qualquer partida.
Prestações frágeis para seleções lusófonas
Angola e Guiné Bissau viajaram para o Egito com fundadas esperanças de conseguirem atingir os oitavos-de-final da competição. No entanto, em campo, estiveram longe de demonstrar capacidade para o garantir. Angola entrou melhor na competição. Perante uma Tunísia que pareceu quase sempre uma sombra do seu valor, os Palancas Negras apontaram a um bom resultado, sendo que o empate soube a pouco pela qualidade demonstrada. A equipa melhorou bastante na segunda parte, com Fredy no corredor central do meio-campo e Gelson Dala a surgir como ponta-de-lança. No entanto, no segundo jogo, onde se esperaria a luta pela vitória, a equipa angola acabou por dinamitar as suas opções. Procurando um jogo demasiado direto, frente a uma Mauritânia muito física, a equipa de Angola ficou aquém do esperado. Na derradeira jornada, o grupo não mostrou mesmo forças para dar a volta à situação. O facto de terem sido a equipa com mais tentativas de situações 1 para 1 acaba por denotar, em parte, as razões do seu insucesso.
Pior esteve a Guiné Bissau. Depois da prestação aceitável de 2017, a experiência e a qualidade reconhecida do grupo de jogadores à disposição de Baciro Candé pareciam alimentar esperanças. No entanto, logo na primeira jornada ficou claro que a preparação não tinha dado ferramentas suficientes para enfrentar uma CAN onde o processo tático evoluiu. A péssima exibição frente aos Camarões custou o lugar a jogadores como Nadjack, Rudinilson, Zezinho e Toni Silva, sendo que só o último voltou a ter minutos. A equipa guineense teve em Sori Mané o seu jogador em maior destaque, pela forma como atuou no meio-campo, com Marcelo Djaló a também apresentar melhorias no corredor central da defesa. No entanto, no final dos três jogos, apenas 25 remates tentados pela Guiné Bissau, 18 deles fora da área, com apenas 8% do total a saírem enquadrados com a baliza. Os Djurtus também foram a equipa que menos toques dentro da área adversária conseguiu, apenas 20 no conjunto dos três jogos, números claros na forma como esta prestação foi frágil.
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