João Félix e o ano zero do novo Atlético de Madrid

No final da temporada passada, Diego Simeone recolocou a discussão sobre a sua carreira no Atlético de Madrid. Para o treinador argentino, o melhor período da história do clube, com presença constante no pódio de LaLiga e na Liga dos Campeões, só pode ter um balanço positivo. O normal, antes da sua chegada, seria ficar de fora destas posições uma vez a cada dois ou três anos. Ora, é nessa reposição da discussão que surge o ano zero do novo Atlético de Madrid. João Félix é a chave para o futuro.

2019/20 já é o mercado de maior investimento desde a chegada de Diego Simeone ao clube. No entanto, em todos eles o objetivo passará por conseguir superar o impacto do mercado de 2014/15 quando chegaram ao clube Jan Oblak, Mario Mandzukic e Antoine Griezmann. Enquanto a ideia de jogo de Diego Simeone continua, para o público geral, marcada pela segurança defensiva, a verdade é que o técnico sempre se colocou à prova com a chegada de novos elementos. Nessa temporada de há cinco anos atrás, o reforço da baliza e a chegada de jogadores que tinham tudo para vestir a pele de um “jogador à Simeone”, o técnico conseguiu o melhor de dois mundos, porque Griezmann, mais do que ser um jogador perfeito para o Atlético, acabou por se transformar numa estrela mundial.

Os mercados seguintes ficaram marcados por gigantescos falhanços. Jackson Martínez, Stefan Savic, Yannick Carrasco, Kévin Gameiro, Nico Gaitán e Vitolo não foram capazes de se transformar em jogadores centrais na forma de atuar do clube. De tal maneira que, na época passada, o foco de mercado virou para tentar encontrar jogadores que, pelo seu perfil, pudessem acrescentar faces à identidade já muito trabalhada do conjunto do Atlético. Thomas Lemar e Rodrigo, cada um ao seu estilo, pareciam ser fruto desse desejo. Enquanto o médio espanhol brilhou no seu papel, ao ponto de se transformar em nova contratação para o Manchester City, Thomas Lemar demorou um pouco mais a encontrar o seu lugar, ainda que se mantendo como aposta de Simeone. A saída de Rodrigo, no entanto, mostra bem que o Atlético continua na encruzilhada. Ao mesmo tempo que lhe são feitas exigências de grande (lutar pelo título e por sucesso na Liga dos Campeões), os grandes continuam a poder pescar nas suas águas.

Atlético de Madrid, ano zero

Os 80 milhões pagos pelo Bayern de Munique por Lucas Hernández, os 70 milhões pagos pelo Manchester City por Rodrigo, mais os 30 milhões que acaba por render Gelson Martins na sua venda ao AS Monaco, mais os 120 milhões que se esperam pela pré-anunciada saída de Antoine Griezmann, ofereceram ao Atlético um verão com capacidade para atacar o mercado. E, mais do que buscar uma pérola à volta de quem construir um plantel, o conjunto de Diego Simeone pretendeu reservar para si um dos jogadores do grupo de mais potencial na Europa, sendo que, no quadro das grandes promessas, João Félix era aquele que, pelo preço e pelos modos de pagamento possíveis, lhes seria mais acessível. Mas o Atlético não ficou por aqui. Com a chegada de Marcos Llorente para o meio-campo e de Renan Lodi para a lateral esquerda, a aposta na juventude é bastante clara.

Ora, para chegar ao futuro, no entanto, é preciso ter uma ponte onde pisar. E por isso mesmo, Felipe e Héctor Herrera acabam por ser peças fundamentais para reforçar um plantel que terá, agora, bastantes opções para todas as zonas do terreno. A baliza mantém um dos melhores do mundo, Jan Oblak, enquanto a linha defensiva poderá conjugar Santiago Arías, José Giménez e Renan Lodi com Felipe ou Savic. Na linha do meio-campo vai sobrar qualidade. Pelo modelo de Simeone, poderá mesmo acontecer um quarteto com quatro destes jogadores (Thomas Partey, Marcos Llorente, Saúl, Koke e Herrera), mas acrescentar Thomas Lemar e Ángel Correa como visão mais ofensiva do jogo farão muito sentido em boa parte dos desafios de LaLiga. Na frente de ataque, Morata, Diego Costa e Kalinic são, todos eles, jogadores de cartel que poderão aliviar a pressão sobre João Félix.

Félix, o coração

Apesar do aparato dos números, da camisola 7 que era de Griezmann e da extrema curiosidade que todos em Espanha têm sobre João Félix, a sua inserção no modelo de jogo de Diego Simeone deverá beneficiar de tempo para se desenvolver. Como líder (em termos de valorização) desta nova face colchonera, é sensato pensar que não estará colocar sobre a exigência máxima nos primeiros meses no clube. Por lógica do seu jogo, a entrada imediata nos jogos de LaLiga oferecerá maior capacidade ao Atlético para aparecer frente a equipas de bloco encerrado. É uma das situações habituais em jogos do campeonato espanhol. As equipas adversárias encerram-se perante o Atlético em busca de lhe provocar a falência. Félix oferece-se como peça importante para desenvolver esse tipo de jogo, com muita gente à sua volta para se constituir como apoio.

O maior teste ao crescimento de João Félix estará, no entanto, reservado para os encontros da Liga dos Campeões. Na sua passagem pela equipa principal do Benfica, apenas teve espaço para se experimentar, como titular, na Liga Europa, pelo que esse palco maior despertará bastante curiosidade. O sorteio da fase de grupos poderá ser essencial para entender o tipo de desafios que lhe serão colocados, mas, na verdade, os primeiros meses de João Félix no Atlético deverão colocar-lhe muitas situações formais às quais estará mais do que habituado. À imagem do que aconteceu no processo de crescimento de Antoine Griezmann no clube, o projeto João Félix em Madrid prender-se-á bastante com a sua capacidade para se tornar figura do clube enquanto eleva o seu estatuto no mundo do futebol. Os testes à personalidade serão intensos desde o primeiro momento, o da apresentação, mas a forma como o clube vem repensando a sua própria comunicação à luz dos artistas da capital madrilena dizem bem da consciência que a estrutura tem do projeto que lhe é apresentado.

Segundo mais novo do plantel, com Nehuén Perez a ocupar essa posição, mas com baixíssimas oportunidades para ter minutos, João Félix terá tempo para crescer rodeado de figuras como Saúl, Koke, Giménez, bem como dos recém-chegados Felipe, Llorente e Herrera. Todos estes jogadores com perfil de liderança, de entendimento do grupo, de defesa dos valores do seu treinador. É nessa carapaça que o futuro de João Félix poderá eclodir ao nível dos melhores do mundo. É a resistência dessa estrutura que lhe permitirá o tempo para crescer. Muito para lá da figura de um Simeone capador de talentos, o Atlético de Madrid parece transformar-se no ninho para uma nova identidade própria que terá, mesmo, Félix como o seu coração.

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