A greve dos motoristas de matérias perigosas em Portugal, o despedimento de jornalistas na ESPN Brasil e o episódio 12 de “O Brinco do Baptista”. Para onde vamos, todos nós?
Uma das aprendizagens necessárias para o processo de decisão é a compreensão das consequências. Muitas vezes, no futebol, fala-se em saber primeiro que os outros o que vai acontecer e trabalhar, com essa previsão, a antecipação da decisão. Andar um passo à frente. Neste processo que tomou todo o espaço mediático português nas últimas semanas, a dificuldade da compreensão das consequências parece ser o traço mais intenso da falha de todas as partes. Os sindicatos que convocaram a greve não previram as consequências das suas ações (a desorientação após a assinatura do acordo entre a ANTRAM e a FECTRANS, o maior sindicato do setor, assim o parecem indicar). O tratamento mediático do evento também parece não entender que, mais importante do que a notícia, mais importante do que o efeito dramático, são os problemas e as vidas daqueles que arriscam tudo nesta greve, um conjunto de trabalhadores, que cada vez menos parece ser tomado em conta nas intervenções públicas daqueles que dizem representá-los. Pedro Polónio (ANTRAM), José Oliveira (FECTRANS) e o ministro Pedro Nuno Santos ensaiaram ontem, no anúncio do acordo, um regresso ao discurso político, traçando cenários técnicos, aproximando-se do acordo, em suma, apontando à solução.
Como reagimos a isso?
A ESPN Brasil dispensou uma série de funcionários, entre editores, produtores e jornalistas, com o facto do analista Rafa Oliveira estar neste grupo a criar grande impacto nas redes sociais. O André Rocha já fez uma reflexão muito interessante sobre o tema, puxando dados interessantes como a mudança de um ambiente mediático no tratamento do desporto, no Brasil, onde o discurso da polémica e as consequentes partilhas e impactos criados nas redes, volta a dominar (secando tudo em volta). Creio que o caso se aplica, quase na perfeição, ao contexto português (e o tratamento do tema acima, que parecia não ter nada que ver com futebol, é um excelente exemplo disso). A polémica, o medo, o “última hora”, vende. Mesmo que se baseie em dados truncados, em previsões ignorantes ou em dados falseados. Um comentário que reflita trabalho, que seja conhecedor, que se enquadre numa lógica de transposição de um desporto, o futebol, para o quadro mais alargado da vida das pessoas, assinalando pontes, reconhecendo efeitos, procurando a sua compreensão, continua a ser considerado dispensável. Até porque há mais. Quando se tenta defender este segundo manipulando a realidade para desenhar um quadro onde só a polémica existe, esta evocação da diferença acaba por se inserir mais num discurso de polémica (“última hora” que transformámos o mundo!) do que no reforço do verdadeiro conhecimento na causa.
Percebemos isto?
No caminho exatamente inverso, o podcast “O Brinco do Baptista”, um projeto independente do Sérgio Engrácia, do Aires Gouveia e do João Tibério, dedicou o seu 12º episódio a uma longa conversa sobre o racismo no futebol. O tema continua a ser tabu, mesmo num Portugal que se redescobre na comparação com uma realidade mundial que, nos dias de hoje, nos entra em casa através do computador e do telemóvel. Redescobre-se, como é evidente, de forma envergonhada com a imagem que se autoconvenceu ser a sua. Ora, numa época onde as promessas vãs, os alarmismos, os medos, são promovidos como a única realidade que nos deve preocupar, entender que podemos conversar com tempo, recorrendo a quem conhece os temas e está completamente à vontade para os discutir, sem querer “engolir” a outra parte sob falsos argumentos ou gritarias incompreensíveis, é uma espécie de benção. Que isso aconteça num projeto independente, de gente que faz as suas “vidas profissionais” noutras áreas, é uma mera consequência de tudo aquilo que escrevi acima. Não vai merecer tantos RT’s ou comentários como uma parvoíce qualquer que se transformará na indignação que se segue. Mas que é o caminho ao qual devemos prestar atenção, não tenho a mínima dúvida.