Ler o jogo; limites e abrangência

O jogo de futebol é muito mais do que aquilo que achamos que vemos nele. Também por isso, todo o trabalho de análise é uma constante tensão entre realidades, a que trespassa dos acontecimentos em campo e a que acumula o conhecimento do caso (jogadores, equipas, jogos, modalidade). Por isso mesmo o resultado é tão importante. Não porque defina, mas porque é exatamente aquilo que pode ser explicado no final dos noventa minutos. 

Para lá do resultadismo

Não faço, com isto, uma defesa do resultadismo. Bem pelo contrário. É bom perceber, no entanto, que situações que se repetem ao longo de décadas têm uma boa razão para acontecer. O entendimento do sucesso e do insucesso de uma equipa pelo resultado que alcança é uma determinação básica da competição desportiva. Todas as equipas jogam para ganhar. O que não podemos querer é concluir daí (do resultado) uma capacidade de entendimento que possa ser repetível em casos (jogos) seguintes. 

É nesse sentido que integro as palavras de Pep Guardiola depois do jogo do Manchester City em Madrid. O técnico catalão não faz uma avaliação da qualidade da análise feita no jogo, mas vai mais longe naquilo que é o seu entendimento das leituras que se podem fazer de uma partida de futebol. A questão da valorização (é bom, é mau, é génio, deve ser despedido!) é um trabalho de opinião que se segue à análise (e tantas vezes desinteressante, tendo em conta a linha do tempo que, nos próximos dias, reabre a discussão com um novo jogo, um novo comportamento, um novo resultado). Mas a questão da leitura é uma parte importante daquilo que andamos, os analistas, aqui a fazer. 

Um problema de leitura

O jogo de futebol é, por isso, muito mais do que aquilo que achamos que vemos nele. E, no caso, a tentativa de definição da análise de um comportamento tático carece, como explica Guardiola, de muito mais contexto (um contexto que é difícil de atingir não estando no interior da equipa, como técnico, porque até ao jogador certas opções passarão despercebidas). Pep Guardiola indica que a situação de análise tática e estratégica não define exatamente o que se passou no encontro, relançando-nos, assim, na velha e boa materialização da dúvida sobre quem nasceu primeiro: a decisão tática ou a definição no jogo. 

Todo o jogo é, em si mesmo, uma leitura de situações. Sendo realizada em tempo real, condicionada pelo resultado que vai recriando contextos, torna-se de exigência elevadíssima sobre aqueles que nela atuam (jogadores e treinadores). Acresce que, no tempo do jogo, não há praticamente possibilidade alguma de existir uma comunicação forte entre liderança técnica e elemento no campo. O próprio intervalo, no meio da azáfama de um balneário onde dezenas de pessoas se cruzam, é de limitada preponderância no passar dessa mensagem. Por isso o erro é, de forma tão clara, muito mais definidor do que a capacidade de decisão. 

O espaço do humano

O jogo, finalmente, é um espaço humano, onde humanos se transportam para, em conjunto, decretar sobre vencedores e vencidos no final dos noventa minutos. É essa enquadramento humano que não pode ser perdido na análise que desenha depois do jogo ocorrer. Aquilo que não vemos, mas que podemos tentar contabilizar, acrescenta dimensão à leitura. Mas também aquilo que não se contabiliza tem imensa importância na construção interpretativa que se leva para a jornada seguinte. O futebol, como o humano, é um espaço aberto e imprevisível que tudo abarca. Mas que, convenientemente, na forma como se redefine constantemente, não se deixa definir. 

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