Numa longa entrevista ao jornal O Jogo, cuja primeira parte foi hoje publicada, o treinador do FC Porto dá a cara sobre o seu trabalho no clube e responde às críticas. Uma leitura obrigatória que me gera alguns comentários.
É um prazer ouvir Sérgio Conceição a refletir sobre o futebol e o seu trabalho. Sendo um técnico que, nos momentos de aproximação ao jogo, nem sempre consegue gerir os efeitos temperamentais do seu discurso, percebe-se, em momentos menos marcados pelo efeito da competição, a forma como estabelece e planeia o seu trabalho. Daí a importância da entrevista realizada por José Manuel Ribeiro e Carlos Gouveia, que terá uma segunda parte publicada na edição de O Jogo de amanhã.
Três épocas, diferentes momentos
Sérgio Conceição estabelece de forma clara como ao longo das três temporadas que leva como treinador do FC Porto o seu trabalho implicou diferentes desafios. Curioso sublinhar, no ano da sua chegada, a necessidade de mudar a forma de jogar e o efeito surpresa criado com essa mudança. Lembrar que Sérgio Conceição chegou ao FC Porto num momento em que as expetativas estavam muito baixas, tendo sido um trabalho fantástico conquistar o seu primeiro título logo nessa época. Olhar e perceber essa mutação originada pela chegada de Sérgio Conceição ajudam a explicar como aconteceu.
“No segundo foi um pouco diferente, havendo uma ou outra mudança e percebendo que os adversários nos conheciam melhor.”
Acredito cada vez mais que esta é a chave do sucesso para treinadores que se mantêm em projetos durante várias temporadas. Alcançado o efeito imediato, que pode ser lido numa primeira temporada, os desafios para as temporadas seguintes passam, para além do refinamento da proposta inicial, pela forma como se responde ao reconhecimento dos adversários. Para o terceiro ano, Sérgio Conceição sublinha o facto de ter fechado o plantel demasiado em cima das eliminatórias de acesso à Liga dos Campeões e de como isso acabou por ferir um primeiro objetivo e influenciar o trabalho para o resto da temporada.
Como jogar, o que jogar e a leitura que se faz do jogo
Muitas vezes acossado pela forma como o estilo de jogo do seu FC Porto é tratado, Sérgio Conceição aproveita parte desta entrevista para se focar e desenvolver o seu ponto-de-vista. É inegável que, olhando às estatísticas da última temporada, os azuis e brancos foram a equipa com mais posse, a mais concretizadora e a que menos golos sofreu. Mas para o técnico do FC Porto, mais importante do que tentar encerrar o seu jogo dentro de uma redoma, o importante é nunca parar de surpreender o adversário (a palavra surpresa surge várias vezes ao longo do seu discurso).
“Quando olhamos para uma equipa, não podemos catalogá-la pelo que nos chama mais a atenção”
O técnico do FC Porto caracteriza o futebol atual pela dimensão física do jogo, no que toca à intensidade demonstrada na ocupação dos espaços e na recuperação da bola, e pela capacidade de provocar erros no adversário. Esse é um dado fundamental para entender o sucesso do FC Porto nesta última temporada. A capacidade de vencer estrategicamente as partidas frente aos principais adversários acabou por ser fundamental para a conquista do título, algo que o técnico demonstra estar entre as suas prioridades.
“Treinadorismo”, doença infantil da análise em futebol
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“Dedico unidades de treino a essa situações de bolas paradas, ofensivas e defensivas, e não foi por acaso que fomos a defesa menos batida e o melhor ataque. Temos surpreendido o adversário”
Por outro lado, Sérgio Conceição puxa dos pergaminhos para defender um momento central do trabalho da sua equipa, que se tem vindo a demonstrar muito superior aos adversários a partir dos esquemas táticos. Esse mesmo trabalho continua a ser valorizado e, como se viu no jogo de preparação frente à Académica, onde Corona marcou um golo, de cabeça, antecipando-se ao primeiro poste, passa muito mais pela criatividade desta preparação do que pela dimensão física dos seus atletas.
“Duplo pivô é o que eu gosto, mas se tiver de criar uma ou outra variante no jogo, não tenho problema nenhum”
Esta é outra das características a sublinhar na capacidade de Sérgio Conceição e na forma como este vê o jogo. O trabalho constante para apresentar momentos desestabilizadores da organização do adversário, algo que é focado no momento em que fala do papel de Danilo, da utilização de Sérgio Oliveira e Uribe, da maneira como Otávio é solução no corredor central. Dentro de uma ideia inicial, o trabalho das características da equipa conforme aos jogadores disponíveis tem sido um trunfo para o técnico do FC Porto.
Gestão do plantel e as novidades
A entrevista é ainda importante para perceber algumas das ideias aplicadas por Sérgio Conceição na gestão da equipa, sobretudo no capítulo disciplinar, com o técnico a revelar a maneira como geriu casos de afastamento da equipa como aconteceram, no Bessa, com Marchesín, Uribe e Diaz e, mais recentemente, com Nakajima. O japonês acabou por regressar ao plantel, “os colegas fizeram muita força para que Nakajima voltasse”, e passa a ser solução para o futuro.
“O Nakajima tem uma forma de estar que as pessoas não conhecem. Vêm o Nakajima tecnicamente apetecível, mas o futebol não é só isso”
A forma como estabelece o enquadramento dos seus jogadores no futebol são outra das características centrais de Sérgio Conceição. O compromisso e a ambição são muitas vezes referidas. Sobre os reforços, é também aí que se estabelecem diferenças. Enquanto vê Taremi como um jogador de equipa grande, no caso de Zaidu, recorda que se trata de um jogador com pouca formação e que será fundamental entender como chega e se integra rapidamente no grupo. No futebol de alta competição, raramente há tempo para aprender. Sérgio Conceição sabe-o melhor do que ninguém.
Entrevista disponível na edição impressa do jornal O Jogo e na sua edição digital.