Semana 24: De que falamos quando falamos de atitude?

jogador com atitude

A palavra “atitude” é um conceito muito ouvido quando se faz análise desportiva. Os adeptos são quase sempre os primeiros a puxar do chavão da “atitude” para avaliar o “querer” e a “entrega” dos jogadores do seu clube, mas também os treinadores e os próprios atletas enveredam, constantemente, pela questão da necessidade “ter atitude” ou responder “com atitude” aos desafios. Pela minha parte, este é um conceito que eu abomino.

Devemos então esquecer a atitude dos jogadores e de nós próprios perante os treinos e as competições em que nos vemos envolvidos? Não é tanto por aí. A minha dificuldade com o conceito de “atitude” é que este tende a ser demasiado abstrato e muito evasivo acerca do que é que se está, realmente, a falar.

Quando analisamos a atitude de um jovem jogador, esquecemo-nos que existem outras noções, para mim muito mais importantes. A primeira delas é, para mim, a confiança. Ninguém pode ter uma boa “atitude” se não for confiante, em si e no meio que o rodeia. Sobretudo nas idades dos 11 e 12 anos, quando se começa a questionar o papel do adulto e a medir a nossa existência com a dos que nos rodeiam, a confiança é bastante abalada. Pré-adolescentes tendem a desconfiar dos seus pais e das pessoas que, de forma geral, lhes impõem regras (professores, treinadores…). Esse sentimento gera uma forte insegurança que é, também, reforçada pela forma como vai assistindo às mudanças no seu corpo (maturação) e aos respetivos impactos na sua personalidade e desejos.

Ora, esta sensação de desconfiança e insegurança generalizada tende a manifestar-se em momentos de ansiedade. Perante uma exigência maior, que pode ser sentida na escola, no enfrentar de uma conversa com um adulto, num exercício do treino onde se adivinham maiores dificuldades ou no confronto competitivo perante uma equipa que dá sinais de ser mais forte, os níveis de ansiedade crescem e os jovens têm que aprender a lidar com essa sensação de navegação à vista. Neste tipo de situações, os bloqueios mentais ou físicos podem ser muito naturais, gerando no atleta um desconforto crescente perante situações similares.

O papel do treinador deve, primeiro que tudo, aproveitar a situação de vantagem que lhe é dada pelo facto de, à partida, o jovem estar na prática desportiva por gosto e por motivação pessoal (outro dos elementos fundamentais para que a “atitude” se revele). Estes factores permitem ao treinador um relacionamento mais próximo e mais envolvente, a um nível psicológico, do que outros atores, como pais ou professores. Essa vantagem deve ser aproveitada para direcionar o comportamento do jovem e adaptá-los às circunstâncias, seja através do discurso, de rotinas ou de sinais. Saber que é no espaço de treino que se deve potenciar os modelos de experimentação e erro, aproveitando a semana de trabalho para ensinar e educar o jovem para o desenvolvimento técnico, tático e psicológico, bem como entender que o momento competitivo deve ser utilizado, não como um fim em si, mas como uma etapa do processo de aprendizagem, aí já com uma atitude mais benevolente, tendo em conta que ao crescer da dificuldade por estar a enfrentar um “outro”, tem também o público (que muitas vezes inclui amigos, pais e outros familiares), o que tende a fazer crescer a tensão sentida pelo atleta.

O jogo serve assim para alimentar a confiança, combater a ansiedade e afinar as motivações: ou seja, o jogo serve para treinar a atitude e não como janela para que a atitude se revele. É claro que existem sempre casos de jogadores onde estas questões são muito menos problemáticas (pelos contextos sociais e associativos envolvidos ou pela possibilidade de seleção de talentos que tende a eliminar os jovens sem “atitude”), mas lembremo-nos, também, que aquilo que um jovem é aos 11 ou 12 anos tem, muitas vezes, muito pouco que ver com aquilo que ele vai ser aos 21 ou 22. A adolescência, com o seu choque hormonal e com todas as experiências a que os jovens são expostos, tendem a ter um papel muito forte nas “atitudes” que estes, enquanto adultos, vão ter.

Resta, então, ao treinador, não desistir. Saber que cada processo nos oferece inúmeras oportunidades de evoluir e, também, que em determinadas idades, por muito que isso nos possa custar em alguns momentos, o nosso trabalho não tem muito que ver com a criação de jogadores de basquetebol, mas muito mais o de utilizar a modalidade para criarmos gente.

A esta hora, os nossos miúdos divertem-se a pensar no Carnaval, que, em Torres Vedras, lhes vai dar folga até quinta-feira. Mas nas suas máscaras, nas suas brincadeiras, nos seus jogos e nos seus tempos sem fazer nada, estarão a treinar aquilo que vão ser quando forem grandes. Com “atitude”!

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