Semana 34 – Fiz coincidir a reflexão desta semana com o 25 de abril e o quadragésimo-segundo aniversário da revolução dos cravos para aprofundar as conquistas que o regime democrático permitiu ao movimento associativo e desportivo. Olhando para a documentação da época, dos primeiros anos da democracia, percebemos, no entanto, que muito daquilo que era planeado acabou por não se lograr.
A ideia de um movimento desportivo e de cultura física que fosse motor de combate às desigualdades sociais não só não se confirmou, como foi atacado ao longo destes quarenta e dois anos. As dificuldades que as classes mais desfavorecidas tinham no acesso à prática desportiva agravaram-se e, no dia de hoje, apesar de através do desporto escolar alguns consigam iludir esse factor, a verdade é que faltam, no movimento associativo desportivo, portas abertas. O enorme crescimento do desporto como entretenimento e fenómeno comercial estendeu-se ao plano da formação e são as próprias associações desportivas que vivem na necessidade de taxar o acesso à prática.
O investimento público no desporto tem-se deslocalizado para a área do entretenimento, através de grandes eventos de “promoção turística”, criando-se, na base, uma lógica de utilizador/pagador no acesso à prática desportiva, seguida de uma outra lógica, a do resultado, para formalizar os programas de desenvolvimento de talentos, escapando-se o país à formulação de um verdadeiro plano para o desporto, premiando aqueles que se destacam em detrimento de atender a uma distribuição que valorize processos coletivos de desenvolvimento de modalidades e um maior número de praticantes. Vivemos iludidos com as medalhas – que servem de “prova” de um bom trabalho que vem a ser feito com os apoios do estado – esquecendo que essas têm nascido, muitas mais vezes, de processos individuais.
Se olharmos para o panorama desportivo nacional, podemos entender que, a nível de infraestruturas, a qualidade elevou-se bastante nestes quarenta e dois anos, ainda que em quase todas as modalidades que exigem equipamentos específicos para a sua prática, estes ainda sejam escassos na maioria dos estádios/pavilhões espalhados pelo país. Também notamos uma enorme evolução de técnicos disponíveis nas diversas modalidades, com maior preparação académica e pedagógica, embora quase todos eles a viverem em situação precária em termos laborais – treinador desportivo e profissional são duas realidades que raramente andam juntas. Finamente, é-de lamentar que, quer no acesso à prática desportiva, quer no desenvolvimento da mesma ao longo de um processo de formação, estamos muito longe de ter igualdade de género, uma situação que nos deveria preocupar a todos.
Para onde caminhamos, então, em termos de desporto e cultura física, quarenta e dois anos depois do vinte e cinco de abril? Para uma realidade que tem de ser de luta constante pelos direitos de todos, mas sobretudo dos mais jovens, no acesso à prática desportiva. Para uma realidade em que o nível de exigência na cultura física e desportiva tem que ser elevado por todos os envolvidos no processo. Para uma realidade em que, em lugar de nos aceitarmos como parte integrante de um processo de degeneração de uma ideia solidária e aberta, nos devemos rebelar contra todas as situações onde ponderamos poder ter melhor. Não nos devemos calar, para que a cada abril que passe, menos nos falte a cumprir.
Amanhã há treino.