Habituei-me a organizar a minha memória pelo que acontece em jogos de futebol. Toda a minha infância está referenciada por competições, jogos ou golos, coisas como antes de ter ido a Santarém ver o Torreense, a noite em que fui pela primeira vez a Alvalade, o ter acompanhado o Portugal – Inglaterra na cama, acordado, porque haveria escola no dia seguinte.
Foi sempre assim pela vida fora. O Torreense, uma vez mais, na primeira divisão, os jogos do Euro 96 entre as idas aos Correios já na praia de Santa Cruz (uma carta lida antes do Portugal – Croácia que nunca me saiu da cabeça), o Mundial 2002 nos corredores da Faculdade. Pelo meio, raparigas, decisões, dores e alegrias, todas elas, com um jogo de futebol por perto. Ao ponto de lembrar, na hora, o jogo que estava a ver quando decidi deixar de fumar (já foi há muito tempo).
Assim organizo a minha memória. Com as coisas todas que me acontecem a preferirem um campo cheio de gente a correr de um lado ao outro, em lugar de um qualquer calendário, ou agenda, que se pudessem perder ou gastar com o tempo. O futebol e as memórias que ele me dá nunca me abandonarão.
Aliás, apercebi-me disso quando um dia vi um velho sentado a um canto do café, sem nada para dizer, enquanto seguia, com alguma algazarra, a discussão sobre um jogo que passava na televisão. Enquanto souber alguma coisa de futebol, vou ter companhia, vou ter quem me acompanhe. Esteja onde estiver.
Durante um dos jogos de hoje, chegou-me uma daquelas notícias que nós preferimos não receber. Daquelas em que o mundo parece que fica nublado de repente, a cabeça a tremer, o corpo sem saber bem o que fazer. Hoje, um jogo mais se gravou, a ferro quente, na minha memória. Um jogo que talvez não tenha tido mais nenhuma razão de interesse. Um jogo que eu preferia esquecer, até. Mas que me vai ficar na pele, por ser o daquela notícia.
É assim.