Uma tarde de chuva numa pequena cidade onde tudo parou e, de ruído, apenas os altifalantes do velho estádio que vai envelhecendo, como envelhecem as memórias que o sustentaram tantas vezes. Em pé, junto ao banco, um treinador tenta salvar-se, salvando a equipa de um confronto frente a um adversário que apenas no papel se diz mais fraco.
Quantos treinadores já se viram nesta mesma situação? Arrisco a dizer que muitos, todas as semanas, em vários pontos do país. A semana foi preparada com o cuidado necessário para este tipo de desafios. O ponto de situação é uma equipa construída a pouco e pouco, sedenta de uma vitória que não chega e poderia ser essencial para mudar a confiança que se vai esvaindo minuto a minuto. O treinador pode fazer tudo bem, mas, para alguns jogadores, que já viveram, também eles, esta situação uma e outra vez, já não se trata do discurso falado aquele que importa.
Em pé, junto ao banco, o treinador carrega o peso da responsabilidade. Aos primeiros minutos de observação do que faz o seu adversário, confirmando-se algumas ideias que traria do trabalho feito previamente, começa a dar indicações aos seus jogadores. Por um lado, pedindo maior mobilidade aos extremos, para que a defesa contrária se desmobilize nessas diagonais. Por outro, exigindo aos seus médios que, com bola, explorem os espaços que o meio-campo adversário oferece. Mas aquele jogador que já não ouve, também já não responde aos incentivos. O espaço está lá, o problema lança-se para ser resolvido, mas no seu não querer arriscar, perde-se a oportunidade, transformando-se em desvantagem.
No papel, tentamos resolver a equação de uma forma simples. A estratégia era a correta, a atitude dos jogadores não permitiu a sua resolução. Certo? Errado? Quantas vezes a estratégia certa choca com os jogadores? Esquecemo-nos rapidamente de que a a estratégia tem que envolver um conhecimento profundo das nossas forças, não nos bastam as ideias e os modelos para ir até ao jogo e ganhar o jogo. Não, porque o jogo é já muito mais do que isso. Os minutos que se passam olhando o relógio. A negação de um jogador em atender a uma ordem. Os seus colegas a compreenderem isso mesmo e a desmobilizarem, um após o outro.
O golo do adversário é apenas a confirmação de um estado de espírito que estava instalado. O treinador arqueia as costas, olha mais vezes para o chão, aquela relva molhada, meio areia, meio lama, onde os seus pés se arriscam a enterrar. Os jogadores desistem de uma bola que saiu mais longa, esbracejam, denunciam, pela sua forma de respirar, a descrença no que poderiam alcançar. Falhou o plano do treinador? Não. Se olharmos para o jogo à distância percebemos que o plano era certo. Mas falta qualquer coisa, talvez falte uma relação com os jogadores que ajude a explicar a falta de confiança uns nos outros. Ou talvez falte a própria experiência da derrota para que, analisada, se encontre forma de dar uma resposta mais célere ao problema que se apresentar na partida seguinte.
O jogo é muito mais do que o jogo. Para que o plano continue a fazer sentido, para que a ideia possa brilhar como centro do acontecimento, é preciso atender a todos os restantes pormenores. A postura. A indicação. O conhecimento profundo daqueles que entraram no barco connosco. Demora tempo, muitas vezes, demora mesmo muito mais tempo do que aquele que nos é permitido no futebol profissional. Mas se o ensinamento não servir para salvar o lugar, que sirva para fortalecer a próxima etapa. Porque, para uma boa parte dos treinadores que não vão desistir de si próprios, a próxima etapa está já aí.