A formação do treinador no exemplo de Carlos Carvalhal

Carlos Carvalhal é, hoje, um grande exemplo (e um fortíssimo argumento) da necessidade de formação do treinador. A forma como o percurso e a reflexão sobre o mesmo lhe permitem uma proposta de qualidade assinalável na primeira metade da tabela da Liga portuguesa denunciam isso mesmo. 

Vale a pena ver o Rio Ave para se perceber, exatamente, como a formação e a reflexão ao longo da carreira se transformam em fórmulas de domínio do processo. Mais do que os resultados apresentados ou as características dos jogadores do plantel, a maneira como a equipa vila-condense tenta elaborar o seu jogo denota um domínio processual do jogo que lhe oferece vantagens no momento de enfrentar desafios.

O pensamento de Carlos Carvalhal sempre foi bastante elaborado na tentativa de criar uma teoria sobre a prática. Profissional de futebol com perto de duzentos jogos disputados no principal campeonato nacional português, o seu percurso de treinador iniciou-se nas divisões secundárias, tendo conseguido conduzir o Leixões, da 2ª Divisão B, à final da Taça de Portugal e à consequente presença europeia, chegada à Liga, conquistando a Taça da Liga com o Vitória de Setúbal, evoluindo para uma primeira experiência internacional na Grécia, a passagem pelo Sporting Clube de Portugal e consequentes passagens pela Turquia, Emirados Árabes Unidos e Inglaterra.

Experiência no estrangeiro e estratégias de visibilidade

A crescente visibilidade do seu trabalho em campo permitiu-lhe a conquista de atenção para o seu pensamento teórico, plasmado em vários artigos e em dois livros. A sequência de passagens por Sporting e Besiktas, em momentos conturbados dos clubes, adivinhava-lhe uma passagem para um degrau de treino mais elevado, mas poderão ter sido os dois anos que passou como Coordenador Técnico no Al Ahli dos Emirados Árabes Unidos que lhe permitiram cimentar as suas próprias experiências. A passagem por Inglaterra aumentou a sua visibilidade mediática, ainda que nem sempre acompanhada pela mesma qualidade processual no jogo das suas equipas. Depois de uma primeira temporada no Sheffield Wednesday onde se sentiam a imposição do seu jogar, o contexto da competição terá marcado definitivamente opções menos elaboradas, o mesmo acontecendo na tentativa de salvação do Swansea da descida da Premier League.

Um ano sabático e o regresso ao Rio Ave permitem-nos reencontrar o Carlos Carvalhal que havia crescido na Liga portuguesa, mas com fortíssimos acrescentos ao nível do domínio do processo de jogo, bem como da abordagem dos diferentes momentos neste início de temporada. Aos 53 anos, Carvalhal é um treinador feito, tendo já suficientes experiências para entender a destrinça entre o que é acessório e o que é essencial. O seu Rio Ave é hoje uma equipa despojada dos chavões que lhe ofereceram palco na Premier League, entendendo-se que ao treinador, apesar da necessidade de entrada no corredor da fama, o pode fazer, sobretudo, a partir daquilo que a sua equipa fala. 

Rio Ave em Alvalade – o domínio total do processo de jogo

No Estádio de Alvalade, foi o Rio Ave que falou. Na forma como a sua equipa assume a assimetria no momento de criação, puxando Diego Lopes para o espaço interior, libertando Matheus Reis, o lateral-esquerdo, para verdadeiras cavalgadas pela faixa. Do lado contrário, Nélson Monte, um lateral adaptado, entende bem a dinâmica que Nuno Santos, extremo canhoto, impõe nas procuras das diagonais. No que vem sendo um foco, nestas primeiras semanas de Liga, da importância do trabalho das duplas dentro do processo macro das equipas, olhe-se para a forma como Filipe Augusto e Tarantini se entendem no seu espaço de construção, tal como Bruno Moreira e Taremi fundamentam a possibilidade de se trabalhar com dois avançados centros, permitindo espaço de finalização ao elemento que, dos dois, acaba por ter um posicionamento (no papel) mais desviado do centro.

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Mas não é só na forma como a equipa se monta, a priori do jogo, que o Rio Ave constrói a sua diferença. O contexto do jogo permitiu-nos observar as possíveis tendências assumidas pela equipa de Carlos Carvalhal. A abordagem foi sempre feita a partir de uma ideia de controlo assumido pelo seu conjunto. Assumiu o risco no início do encontro, indo à procura da criação de oportunidades, assumiu a gestão da vantagem tentando não perder a base da sua identidade, mesmo perante um Sporting que cresceu no relvado e lhe empurrou as linhas de pressão (também resguardadas pela ideia de gestão da fadiga), assumiu a maneira como quis recuperar da desvantagem do marcador, não se permitindo outra opção que não fosse o controlo da posse da bola. 

Ao intervalo do jogo, dizia eu no meu comentário na Antena 1, que a equipa do Rio Ave poderia ter criado mais perigo se procurasse, perante uma defesa do Sporting algo desamparada, esticar o seu jogo mais vezes. Mas a identidade imperava perante as opções a tomar. E a grande demonstração de superioridade aconteceu na forma como a equipa recuperou o controlo do ritmo do jogo e, sempre a trocar bola, numa composição complexa da posse, sempre em construção de diferentes linhas de passe na proximidade do portador, na criação de desequilíbrios pela mobilidade, no ataque à profundidade pelos espaços criados na organização defensiva adversária. 

A vitória conseguida acaba por ser a cereja no topo do bolo. Mas o que torna este Rio Ave uma equipa que devemos seguir é tudo aquilo que o conjunto de Carlos Carvalhal fez antes de somar os três pontos. 

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